Eventos extremos no Brasil: o que são e por que causam desastres?
Naira Santa Rita é uma deslocada climática. Moradora de Petrópolis (RJ), entre fevereiro e março de 2022, ela sofreu com as enchentes que destruíram casas e comunidades inteiras na cidade e precisou mudar-se para Juiz de Fora (MG). Um ano depois, o país assistiu a um cenário semelhante no litoral norte de São Paulo, que registrou o maior volume de chuvas para um único dia no Brasil.
Eventos climáticos extremos, como esses, acontecem por uma somatória de fatores, muitos dos quais guardam relação direta com a crise do clima. "Com as mudanças climáticas, achamos que vai acontecer um apocalipse. Mas não, já está em curso uma tragédia climática, e ela nada mais é do que a intensificação desses eventos", pondera Naira, que é gestora e ativista ambiental.
"Secas, chuvas extremas, alteração do nível do mar. É um leque de variáveis que podem levar à deflagração de risco", complementa Melina Amoni, que é consultoria estratégica com foco em sustentabilidade e mudança do clima, e atua como gerente de Risco Climático e Adaptação na WayCarbon, empresa de base tecnológica. Em sua avaliação, nenhuma cidade brasileira está preparada para receber chuvas como as do litoral norte paulista e ainda não existem medidas governamentais eficientes que reduzam o impacto desses eventos.
Como consequência, parte significativa da população também não está preparada para reagir a situações como essa. Em situações de emergência, a Defesa Civil pode emitir alertas para os moradores em áreas de risco, via SMS ou aplicativos de mensagem, mas apenas os cadastrados na iniciativa as recebem.
Há, ainda, sistemas de sirenes em alguns locais, como no Rio de Janeiro, que avisam a iminência de enchentes. Contudo, textos ou sonoras são insuficientes diante da gravidade dessas ocasiões. "No Brasil, quando acontece uma situação como essa, você não sabe como agir. Ninguém sabe o que fazer diante de um evento climático extremo", diz Naira.
Qual o papel do papel do poder público?
Na opinião da gestora, é preciso construir uma verdadeira resiliência climática, isto é, "educar e engajar os cidadãos, desde crianças até adultos, sobre os eventos climáticos extremos e as consequências das mudanças do clima", tarefa que deve vir acompanhada da definição de pontos seguros e protocolos eficientes por parte do poder público.
De acordo com a Lei 12.608/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, as prefeituras municipais são responsáveis por elaborar um plano de contingência para mapear riscos de desastres. Na prática, entretanto, esse procedimento acaba ficando em segundo plano.
"Falta uma prioridade de investimento e a conscientização de que as políticas públicas para redução de riscos devem ser tratadas como estratégicas", diz Melina, que destaca o papel ainda tímido ocupado pela resiliência climática nos planos diretores das cidades — legislação que orienta o crescimento e o desenvolvimento urbano.
Ela destaca, ainda, o papel das defesas civis, que atuam na prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação de desastres, além de amparar as pessoas afetadas. Presente nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal), a entidade carece de recursos para sua manutenção, como mostra o diagnóstico de capacidades e necessidades municipais em Proteção e Defesa Civil, relatório elaborado em 2022 pelo governo federal em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Das 1.993 defesas civis municipais consultadas pelo relatório, a falta de recursos financeiros aparece como o maior desafio estrutural, o que explica o fato de 59% delas possuírem de um a dois integrantes em suas equipes. Para Renata Koch Alvarenga, fundadora do EmpoderaClima, as políticas públicas voltadas ao tema carecem de estratégias de longo prazo.
"Quando falamos de prevenção e financiamento pré-desastres, não existem fundos e financiamentos [internacionais] que focam nisso a longo prazo. Mas, se criamos resiliência e reduzimos as desigualdades, não significa que o desastre não vá acontecer, mas as pessoas não estarão tão vulneráveis ou perderão tudo."
Em quem podemos nos inspirar? Para Melina, que realizou uma visita técnica em Rotterdam, província da Holanda do Sul, a cidade representa um caso de sucesso no combate a alagamentos e inundações. "Lá existem os asfaltos-esponja, estacionamentos que operam como uma galeria para suportar a entrada da água e áreas no meio da cidade, e que funcionam como lazer, mas podem transformar-se em enormes piscinas."
A desigualdade impacta nos eventos climáticos?
"Os impactos em São Paulo não têm a ver apenas com a intensidade dos eventos, mas com a realidade e desigualdade da região. É isso que queremos discutir quando falamos em racismo ambiental: as pessoas mais atingidas têm um perfil socioeconômico e também racial", lembra Renata, que estuda políticas de prevenção e adaptação climática no Caribe, região do sul global que sofre com inundações e ciclones.
Com a desigualdade no centro do processo de desenvolvimento das grandes cidades, comunidades tradicionais são levadas a habitar áreas de risco. "Ter moradia digna é direito constitucional, porém hoje muitas pessoas não têm um lugar seguro para viver", diz ela, que defende a criação e ampliação de programas voltados à habitação digna, mas que sejam pensados em conjunto com o acesso a saúde, educação e cultura.
Pensar o papel da desigualdade nos eventos climáticos significa, ainda, tornar as políticas de adaptação climática mais eficientes, ao considerarem as especificidades de cada local.
"O mesmo furacão que pode passar nas Ilhas do Caribe também atingiria Miami, mas as consequências [nos territórios] seriam extremamente diferentes", diz Melina, destacando que, cada vez mais, eventos considerados extremos farão parte de nossa rotina. "É tempo de sair de uma cultura da reação e ir para a ação".
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