Com produtos do MST, restaurante vegano fatura 100 mil: saudemos a mandioca
Comida preparada, embalada e enviada sem nenhum contato entre o cliente e quem prepara o alimento. Soa diferente? Pois essa é a lógica dos 'restaurantes-fantasmas' — também conhecidos como dark kitchens, cozinhas que costumam funcionar a portas fechadas e que ganharam espaço com o boom dos apps de delivery durante a pandemia.
Em 2019, um restaurante com base em Paraisópolis — periferia da zona sul de São Paulo — já adotava um modelo de negócio semelhante. Trata-se do duLocal, que reunia cozinheiras do bairro para fazer pratos frescos de base orgânica. Após preparar a comida em suas próprias casas, as cozinheiras enviavam à sede, responsável pela distribuição.
Depois de enfrentar dificuldades financeiras e quase chegar à falência, o negócio acabou mudando de endereço — formas de trabalho alternativas também foram tentadas. Até que, no fim de 2022, a empreendedora Roberta Rapuano, que ajudou na criação e havia se afastado, retornou com a missão de reerguer o duLocal.
Como uma de suas primeiras ações, a empresária mudou o esquema de trabalho para um modelo em que as cozinheiras estejam presencialmente no local, preservando a lógica que norteava o empreendimento desde o seu início: trabalhar com cozinheiras de Paraisópolis e usar produtos orgânicos de assentamentos do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
'Saudemos a mandioca': bolinho gera renda na quebrada e para agricultura familiar
Hoje, com cinco cozinheiras e faturamento bruto de R$ 100 mil ao mês, o restaurante-fantasma fica no bairro da Vila Sônia, entre as zonas sul e oeste da capital paulista, e vende 150 refeições veganas diariamente, feitas com vegetais sem agrotóxicos vindos da agricultura familiar.
As refeições, independentemente da escolha, custam R$ 39,90, e são vendidas por apps ou pelo site. Entre os pratos mais vendidos está o 'Saudemos a mandioca' — espécie de bolinho feito com mandioca cremosa, nome que faz referência a um famoso pronunciamento da ex-presidente Dilma (PT).
"O antigo proprietário pediu ajuda para não deixar o negócio morrer, e isso era importante, pois fazemos diferença na vida de mulheres, motoboys e agricultores", diz Rapuano.
Para a empresária, seu negócio olha a cadeia de consumo de alimentos como um todo. "A comida precisa ser transformada, e acreditamos que dá para levar renda e empoderamento para as pessoas periféricas usando a agricultura de movimentos sociais", afirma.
Entre as mãos que fazem a comida está a de Nilia, que trabalha há três anos na empresa. "Minha vida é cozinhar. Antes de trabalhar aqui eu já gostava muito de cozinhar como dona de casa e sempre fazia bicos como cozinheira", diz.
Via delivery, produtos do MST sustentam trabalho jovem rural
Da capital ao campo, os tomates de vermelho vivo, chuchus, batatas-doces e outros vegetais que alimentam os clientes do restaurante de Rapuano sustentam, em Sorocaba, 25 famílias de agricultores que trabalham diretamente no fluxo de alimentos plantados e vendidos ao duLocal.
Quem faz essa ponte entre o concreto e a terra da lavoura é o articulador comercial Caio Rennó José, do Instituto Terra Viva, que atua na transição agroecológica de agricultores e na certificação de produtos orgânicos.
"Junto a agricultores de assentamento da reforma agrária organizados pelo MST e, também, com agricultores familiares, o trabalho da nossa associação é promover uma produção sustentável, sem uso de contaminantes químicos e fertilizantes artificiais", afirma Rennó José.
Segundo o articulador, que coordena a comercialização da produção de 50 famílias de agricultores, parcerias como essa — feita com o restaurante — são essenciais para a subsistência do campo, do meio ambiente e do acesso a alimentos de qualidade no meio urbano.
"A venda dos alimentos fortalece a segurança alimentar na cidade e cria demandas para o cultivo de biodiversidade e sazonalidade. Esse fluxo econômico foi imprescindível para compor a geração de renda das famílias agricultoras dessa rede e contribuir para a permanência de jovens no trabalho rural. Esse é um ganho mútuo de aprendizagem para trabalhar a regeneração planetária", afirma.
A escolha dos produtos também vai ao encontro do que Rapuano acredita: "A monocultura prejudica os biomas, por isso apostamos na agricultura regenerativa, em que o dinheiro não vai para grandes corporações. Pelo menos 95% dos nossos produtos são orgânicos, apenas óleos que não, já que encareceria muito os pratos", finaliza.
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