De 'escravo da usina' a gestor escolar: conheça a história de Seu Manoel
"Na usina, eu era escravo como qualquer outro, mas a minha corrente era de ouro. Quer dizer, você tem que saber o seu lugar de empregado", afirma Seu Manoel José Rodrigues, de 65 anos.
O "escravo de corrente de ouro": durante muito tempo, foi assim que Manoel ficou conhecido na Usina Aliança, importante indústria do açúcar e do álcool, localizada em um município homônimo, na região da Zona da Mata pernambucana, que encerrou as atividades em 1996.
O apelido reconhecia uma distinção entre Manoel, trabalhador hábil na comunicação e com fácil acesso aos patrões, e seus colegas, vistos como "escravos da usina" devido à ausência de outras oportunidades.
Filho de um pedreiro e de uma doméstica, Manoel parecia ter o seu destino traçado: na infância, dividir os estudos com o trabalho na roça e, na adolescência, aprender um ofício no Ginásio Industrial de Timbaúba para, então, retornar à usina e seguir o destino do pai, o trabalho como pequeno operário em meio às caldeiras onde nasceu.
Negro e pobre no interior de Pernambuco, as dificuldades não o abateram, mas o impulsionaram a mudar de rota. "Para realizar os sonhos, é preciso fugir ao controle da usina", diz. Em vez de aprender algum dos ofícios de carpinteiro ou pedreiro no Ginásio Industrial, Manoel optou pelo curso científico, já de olho no vestibular, pois seu sonho estava atrás das portas da universidade.
Da vassoura aos livros
Concluído o ensino médio, dos 17 aos 19 anos, ele aceitou o emprego de servente na usina, passando a trabalhar oito horas por dia, tarefa que dividia com o curso de licenciatura e matemática em Nazaré da Mata, município vizinho.
Da vassoura e o pano de chão, usados para limpar a associação de moradores, a escola e a igreja da usina, o jovem migrou para os livros e as canetas. O servente se tornaria gestor escolar, função exercida por 17 anos.
Mas sua jornada não se deu sem alguns percalços. Foi numa greve dos trabalhadores da indústria, entre os anos de 1989 e 1990, que Manoel se deparou com o dilema: seguir como o "escravo de corrente de ouro" ou agir inspirado por seus novos conhecimentos?
"Mesmo com o bom contato [com os patrões], na hora que aconteceu a greve, eu estava do lado dos trabalhadores. Inclusive eu perdi o meu emprego por isso, fui considerado traidor. Isso aconteceu por causa da consciência adquirida com o estudo", relembra.
Da escola da usina à escola do campo
Após dar seus primeiros passos na educação enquanto professor no município vizinho de Vicência, ele retornou à Escola Ignácio Pessoa, onde um dia trabalhou limpando chão, agora com um destino diferente. Em 2006, aquele espaço se transformava na escola do campo, com a missão de incluir moradores do meio rural. "Neste momento, a escola deixava de ser bancária, a serviço da usina, e passava a trabalhar em prol do pessoal do campo", diz.
Para quem, muito antes de ter condições, já havia ousado ir em busca dos próprios sonhos, trabalhar como professor e diretor adjunto de uma escola voltada à formação do camponês era, para Manoel, uma chance de ajudar outras pessoas.
"Eu acredito que, através da educação, a gente pode mudar o mundo. Durante toda a minha vida, eu sempre passei para os meus educandos a possibilidade de ter uma vida consciente e cidadã, de que somos capazes de mudar a história, de fazer a história", afirma.
Escrevendo uma nova história pela educação
Pelo visto, as sementes plantadas por Seu Manoel deram frutos, como relatam alguns de seus alunos, orgulhosos de o terem como referência em sua trajetória.
"Ele é aquele professor que chega junto, dá conselho, ensina para a vida", diz Ubiraci Neves Pedrosa, ex-aluna de Manoel e hoje professora da Escola Municipal Maria Angelina, localizada na antiga sede da usina.
Assistente de gestão da Escola Ignácio Pessoa, Geni Carlos relembra que o que mais a surpreendia em Seu Manoel era a ternura e a ousadia.
"Ele era muito competente, muito amoroso e fazia a gente pensar. Um dia, ele nos fez discutir, por exemplo, qual seria a cor de Jesus. Olhávamos a característica dos povos de onde ele nasceu e ficávamos pensando: por que ele aparece loiro nos quadros?", relembra.
Mesmo aposentado, hoje Manoel colabora com o Comitê Pernambucano de Educação do Campo, ligado ao governo do estado, onde atua na formação de professores voltada a temáticas como ensino no campo, reforma agrária e agricultura familiar, um exemplo para muitos profissionais locais de que, sim, é possível escrever uma nova história por meio da educação.
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