Você sabe o que é o programa de redução de danos?
Você já ouviu falar no Programa de Redução de Danos (RD)? A prática de redução de danos ficou conhecida no Brasil, no final da década de 1980, com uma ação realizada em Santos, no litoral de São Paulo, para promover a troca de seringas usadas por novas a pessoas que faziam uso de drogas injetáveis.
Vinte e três anos depois, profissionais da saúde ainda lutam para que sejam estabelecidas melhores práticas da RD como política pública. Entenda como funciona a prática e o que ela muda na maneira de lidar com o uso de drogas no Brasil.
O que é o Programa de Redução de Danos?
O Programa de Redução de Danos é uma diretriz internacional pautada pelos direitos humanos que une iniciativas ambulatoriais e clínicas da rede pública ou privada, com o objetivo de acolher e orientar o indivíduo que quer reduzir o uso de drogas, ou progredir para a abstinência.
Por 'drogas' consideram-se tanto as substâncias lícitas (álcool, tabaco e remédios prescritos), como as ilícitas (maconha, cocaína, crack, substâncias injetáveis, ou psicodélicas). A redução de danos também inclui conscientização e orientação para o sexo seguro, visando a redução da transmissão de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e AIDS.
A Redução de Danos na prática
Profissionais de saúde são instruídos sobre como agir em casos de intoxicação por diferentes drogas e são recomendados a orientar sobre os perigos que o uso dessas substâncias pode causar no corpo humano.
No geral, observa-se a particularidade de cada abordagem e apresenta-se o tratamento que mais fizer sentido para o indivíduo, levando em conta a rotina e os hábitos de vida que ele tem naquele momento.
Uma das ações mais estruturadas atualmente no Brasil é feita pelo SUS com a população trans, travesti e homens bi e homossexuais. A prática usa ações combinadas para evitar o contágio e disseminação por ISTs.
Uma dessas ações é a PrEP (Profilaxia pré exposição), medicação periódica que ajuda a evitar a disseminação do HIV pelo corpo ainda não infectado. Os participantes do programa recebem orientações sobre sexo seguro, podem fazer testes regulamente e adquirir preservativos de graça.
Como surgiu o programa?
Os primeiros relatos remontam a terapias de substituição de substâncias na Inglaterra (mais nocivas por menos nocivas à saúde), na década de 1920, depois vieram as reivindicações de direitos dos usuários de drogas na Holanda, em 1970, que nos anos seguintes chegaram à Austrália, Canadá e outros países da Europa.
No Brasil, a primeira ação ficou marcada pela intervenção pública, em 1989, em Santos, um dos principais pontos de entrada e uso de drogas injetáveis naquela época. Em 2019, um decreto para a Política Nacional sobre Drogas (PNAD) extinguiu a então Política Nacional de Redução de Danos, trazendo de volta a abstinência como única política pública possível.
"Isso gerou um retrocesso enorme, pois a abstinência não pode ser opção na redução de danos. Alguns governos acreditam que este tratamento, junto à prisão de pequenos traficantes, irá resolver, mas na verdade acaba inflando números e não resolvendo, de fato, o problema que está por trás disso", pontua Lúcio Costa, diretor-executivo do Desinstitute, organização da sociedade que atua na garantia dos direitos humanos e cuidados em liberdade para a saúde mental.
Como é a Redução de Danos no Brasil?
Atualmente não temos uma política nacional de redução de danos devidamente estruturada e implementada, mas existem medidas que, combinadas, são aplicadas como RD. No geral, elas têm três pilares: abordagem empática, acolhimento terapêutico e reinserção na sociedade.
São atendimentos e acompanhamentos médicos na Rede de Atenção Psicossocial (Raps), Centros de Atenção Psicossocial (Caps), e nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) por meio de terapias, atividades manuais, roda de conversa e acompanhamento de medicação por profissionais da saúde, sempre com o intuito de acolher a pessoa que faz uso problemático de substâncias e orientando-a a seguir caminhos para a possível reinserção.
Sem uma diretriz nacional, os programas são geridos localmente. Em São Paulo, a gestão atual trabalha desde 2019 com o Programa Redenção que, por meio do Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica (Siat), faz abordagem (etapa 1), acolhimento temporário (etapa 2) e tratamento e profissionalização (etapa 3).
"Nós desenvolvemos o programa a partir de um estudo com modelos de outros países e de gestões anteriores para saber o que funcionava e o que não funcionava nos programas existentes. As perspectivas são as melhores", explicou Alexis Vargas, Secretário Executivo de Projetos Estratégicos na Prefeitura de SP.
Recaídas fazem parte do processo e, em especial, para quem faz consumo frequente e tem a vida desestruturada. Por isso, a pessoa não precisa fazer o caminho completo do programa.
Alexis Vargas, secretário da Prefeitura de São Paulo
Por que a internação não faz parte da Redução de Danos?
Na década de 1970, casos clínicos de internação também envolviam pessoas que faziam uso descontrolado de substâncias. A medida é refutada pelos Direitos Humanos, que acreditam que uma internação não resolve o problema, mas acaba segregando a pessoa por afastá-la da sociedade e estigmatizá-la como incapaz de conviver livremente.
"Foi com esta movimentação que, nos últimos 30 anos, a questão de álcool e drogas flutuou ora como problemas políticos, ora de saúde pública, ora de economia, chegando hoje a um olhar mais humanizado, deixando de considerar o uso excessivo um problema isolado, mas sim uma condição do indivíduo em decorrência de como ele está inserido na sociedade", explica Lúcio.
Entidades não governamentais, como o Desistitute, trabalham na formulação e proposição de ações e políticas públicas levando em conta evidências de estudos e ações, tanto nacionais, como internacionais, para fomentar e articular iniciativas em prol da liberdade e garantia dos direitos humanos e liberdade manicomial.
Para quem é a Redução de Danos?
Engana-se quem pensa que a RD é só para pessoas que estão em extrema situação de vulnerabilidade, como, por exemplo, as que vivem na Cracolândia, em São Paulo. Ela também é destinada a quem tem moradia, emprego e família, mas faz uso de substâncias tóxicas, ou se relaciona com muitos parceiros sexuais.
A psicóloga e redutora de danos Annie Louise Saboya Prado, conselheira presidenta da Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP SP), explica que esse olhar mais humanizado vem quando entendemos que ninguém começa a abusar de álcool e drogas de repente, sejam elas lícitas ou ilícitas.
Muitas vezes começa com uma automedicação, para desinibir ou se inserir em um grupo, mas acaba perdendo o controle e o uso vira problemático. A RD é uma prevenção para que isso não se torne um problema maior, e não uma apologia a estes comportamentos.
Annie Louise Saboya, psicóloga
O uso de drogas ainda é criminalizado no país, então toda e qualquer alteração na lei precisa iniciar no Congresso Nacional para que se crie um debate e uma consideração para o assunto.
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