'Aos 12 anos, derrubava árvore': Motosserras são trocadas por turismo no AM
Por uma pequena trilha dentro da comunidade ribeirinha do Tumbira, em Iranduba (AM), às margens do Rio Negro, o guia turístico Alessandro Brito, 27, conduz os visitantes a mergulharem numa pequena parte da floresta amazônica.
A cena se repete desde 2008, quando a ilha se tornou uma reserva de desenvolvimento sustentável, possibilitando a Alessandro e outros ribeirinhos uma nova vida por meio do turismo comunitário.
A quatro horas de barco de Manaus, no coração da Amazônia, o caminho leva a uma gigantesca Sapopemba, árvore nativa do bioma, conhecida por sua enorme raiz e pelo formato tubular na base do tronco. Com a aparência de um banquinho, ela serve como um convite da natureza para sentar, descansar e relaxar sob os múltiplos sons e aromas da floresta.
Como conta o guia turístico a Ecoa, 20 anos atrás, a árvore servia a madeireiros, que utilizavam sua base, oca e bastante sonora, para se comunicarem. Quando estavam perdidos, eles batiam algumas vezes no tronco para pedir socorro.
As múltiplas formas de se comunicar estão, aliás, no coração dos moradores do Tumbira, como pudemos ver ao longo da caminhada — de assobios voltados a um macaco a leves grunhidos, é assim que Alessandro conversa com os habitantes de seu quintal.
"Aqui tem muito macaco, veado roxo, cotia, paca, aves e uma variedade enorme de pássaros", diz o rapaz nascido e criado na comunidade ribeirinha, onde hoje vivem 100 pessoas de 35 famílias.
'Com 12 anos já era madeireiro'
"Minha família veio para a floresta com o único objetivo de derrubar árvores e vender madeira", diz sem rodeios o simpático ribeirinho Roberto Brito, 46, que hoje vive do turismo ecológico e sustentável na comunidade do Tumbira.
É dele umas das pousadas locais. Sob a sombra da gigantesca Sapopemba, no ponto oficial para selfies no meio da mata, Brito fala de sua trajetória e admite que exercia com amor e dedicação o trabalho que herdou de sua família.
Meu avô e meu pai eram madeireiros, eu estudei até a quarta série e depois, aos 12 anos, fui para a mata derrubar árvores. Gostava tanto do que fazia que prometia nunca parar de trabalhar com isso. Roberto Brito
Nas memórias de seu próprio passado, Brito conta a história de muitos outros de sua geração. "Eu era um jovem querendo vencer na vida com uma motosserra na mão". Com o tempo, sua perspectiva virou do avesso. Hoje casado e com filhos, ele é mais um dos que dedicam a vida ao turismo comunitário.
Crescer com a floresta de pé
Em 2008, Tumbira se tornou, oficialmente, uma unidade de conservação, integrante da RDS Rio Negro (Reserva de Desenvolvimento Sustentável), assim como outras 18 comunidades na região.
Dois anos depois, a FAS (Fundação Amazônia Sustentável) inaugurou no local um núcleo para promover ações de educação, saúde e geração de renda sustentável.
O ex-madeireiro conta que os projetos de desenvolvimento exigiam uma contrapartida: manter a floresta em pé. "Com as oportunidades chegando, percebi que parar de derrubar árvores é o que faria a vida na comunidade começar a melhorar", diz ele.
Líder comunitário, Brito conta que, na época, resolveu abraçar a causa, apesar de muitas críticas e da desconfiança de outros ribeirinhos.
"Para quem vive no meio do mato sem conhecimento, a palavra sustentabilidade era muito forte, dava um nó na cabeça do sujeito. Meu pai, 30 anos mais velho que eu, achava que era o fim, que não iríamos mais poder tirar sequer um caniço da terra."
Plantando sementes
Parte das mudanças na comunidade contaram com o apoio de um psicólogo, ex-funcionário do SUS, de família polonesa. Em 2018, Bruno Mangolini, 38, se mudou para o Tumbira junto com a esposa, Raquel Luna, que conheceu o local quando trabalhou na coordenação dos núcleos de conservação e sustentabilidade, em 2008.
"O povo aqui vivia da madeira, mas quando se tornou uma reserva as famílias tiveram que buscar outras formas de gerar renda", diz ele, que viu um grande potencial turístico nas paisagens do Tumbira e na riqueza da cultura cabocla, o que o motivou a criar a Poranduba Amazônia, agência de viagens que, desde 2019, ocupa um papel central na transformação da realidade local, ao criar as bases para o turismo na região.
Com tudo feito de maneira horizontal, envolvendo os ribeirinhos, respeitando as tradições e a cultura local e gerando renda para as famílias, a iniciativa marcou uma virada de chave na história da comunidade, que hoje respira o turismo de base comunitária, guiado pela conservação da sociobiodiversidade.
Somente em 2022, o turismo comunitário promovido pela Poranduba gerou R$ 347 mil para o Tumbira e para a comunidade vizinha de Santa Helena. No total, 40 famílias ribeirinhas foram impactadas. "A estimativa é de que, através dessa renda gerada, ajudemos a manter em pé 500 hectares de floresta", afirma Mangolini.
*A reportagem de Ecoa viajou à comunidade do Tumbira, em Iranduba (AM), a convite do projeto Creators Academy.
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