Juros altos afetam mais homens negros e aumentam seu desemprego. Por quê?
Entre novembro e dezembro de 2022 e janeiro de 2023 a taxa de desocupação ficou em 8,4%. O Brasil registrou o menor índice de desemprego desde 2015. Mas a boa notícia não foi igual para todas as pessoas.
Para as pessoas brancas o índice de desemprego foi de 6,2%, bem abaixo da média do período. Já para as pessoas pretas e pardas ficou em 9,9% e 9,2%, respectivamente. Ou seja, acima da média do período.
Vários fatores podem explicar essa diferença. Mas segundo estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP, a alta da taxa de juros pode ser uma das principais vilãs desta desigualdade racial. Hoje, a Selic está 13,75%, e é a maior em seis anos.
Nesta sexta (31), no entanto, o otimismo econômico esfriou para todos. O IBGE atualizou índice de desemprego para 8,6% até o final de fevereiro. O número de brasileiros desempregados no trimestre foi de 9,2 milhões, 483 mil pessoas a mais que no trimestre anterior. Ruim para todo mundo, mas pior para homens negros. A seguir vamos explicar o por quê, baseado nos dados do trimestre anterior, que já foi analisado com profundidade pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP.
O que é a taxa Selic e como ela pode afetar a sua vida?
A Selic é a taxa básica de juros da economia. Ela pode te afetar de várias formas como, por exemplo, no valor de financiamento de um carro ou uma casa.
Qual a relação entre taxa de juros e desemprego?
Quando uma pessoa deixa de comprar uma casa ou um carro pelo alto valor das parcelas de um financiamento, isso afeta todo o mercado de trabalho dessas duas áreas: no exemplo da casa, a construção civil. Já no exemplo do carro, a indústria de bens duráveis.
Na última semana, diversas montadoras do país paralisaram produção de veículos e deram férias coletivas aos funcionários, um dos motivos foi a baixa procura por carros, um resultado da alta da taxa de juros.
Então, para pensarmos em como a taxa de juros afeta o desemprego, devemos pensar nas decisões de consumo e investimento das pessoas.
Assim, o aumento da Selic afeta mais setores, como indústria, comércio e construção civil, e afeta menos setores como educação e saúde.
O que diz a pesquisa sobre os homens negros?
O trabalho mostra que o aumento de um ponto percentual na taxa básica de juros, a Selic, aumenta o desemprego de homens negros em 1,22 pontos percentuais em relação a homens brancos.
Isso considerando que eles fazem parte do mesmo grupo do setor de trabalho e possuem o mesmo nível de educação.
Ou seja, de acordo com as pesquisadoras, homens negros sofrem mais com desemprego do que homens brancos ambos no mesmo setor e com a mesma escolaridade.
E aí tem algumas hipóteses como, por exemplo, a questão da vulnerabilidade no nível de ocupação. Mesmo dentro do setor de construção civil, onde estão os homens negros e onde estão os homens brancos? Essa diferença pode explicar em grande parte o que a gente não controla no nosso estudo.
Clara Brenck
Como a taxa de juros influencia o desemprego entre as mulheres brancas?
De acordo com o estudo, uma taxa de juros alta afeta mais homens brancos do que mulheres brancas, o que não quer dizer que elas são beneficiadas.
Segundo as pesquisadoras, as mulheres brancas, apesar de serem mão de obra mais qualificada, recebem menos que homens brancos. O que, numa lógica de mercado, pode ser visto como redução de custo.
A taxa de juros também interfere menos em setores onde estão alocadas mulheres brancas como educação, saúde e administração.
Entre as mulheres brancas empregadas, 22% estão em serviços de saúde e educação e 32% estão em outros serviços como alimentação, administração pública, administração geral e setores da comunicação.
E como a taxa de juros influencia o desemprego entre as mulheres negras?
Comparadas aos homens brancos, as mudanças na taxa de juros não têm efeito no desemprego de mulheres negras.
O que não quer dizer que a mulher negra não seja impactada de forma negativa. Outros estudos mostram que mulheres negras assumiram a economia do cuidado para que mulheres brancas se qualificassem e assumissem postos no mercado de trabalho.
Cerca de 17.5% das mulheres negras estão em trabalhos domésticos e 18.5% estão nas áreas de saúde e educação. Esses são setores menos sensíveis à taxa de juros.
E o que fazer com todos esses dados?
Entender como diferentes setores da sociedade são afetados pela mudança da taxa de juros pode contribuir com o debate sobre o assunto.
As pesquisadoras, ainda, acreditam na importância de se debater política monetária para reduzir a desigualdade no país. "O aumento da desigualdade é mais um argumento para o Banco Central pelo menos levar em consideração esse efeito.
A desigualdade impacta o crescimento econômico e quando falamos sobre isso no nosso país estamos falando sobre uma questão estrutural extremamente complexa", explica Clara Brenck.
A gente precisa incluir essa questão da política monetária dentro desse debate sobre desigualdade. Por isso quisemos iniciá-lo. Patrícia Couto
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.