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Energia solar: placas podem contaminar solo, mas este projeto tem a solução

Fabiana Gomes
Imagem: Fabiana Gomes

Adriana Amâncio

Colaboração para Ecoa, do Recife

03/04/2023 06h00

Na comunidade rural Poço da Cruz, no município de Ibimirim, no semiárido de Pernambuco, um projeto-piloto está promovendo a produção de energia solar de forma mais ecológica e sustentável pelo chamado sistema agrofotovoltaico.

Diferentemente do sistema tradicional, no qual as placas de captação de energia solar são colocadas próximas ao solo - o que inviabiliza o local para o plantio e ainda o contamina, uma vez que é necessário fazer uso de herbicida para impedir que a vegetação cresça sobre as placas - esse sistema promove o uso inteligente e sustentável de todo o solo onde as placas são instaladas.

O sistema fixa as placas a 3 metros do chão, deixando o solo livre para ser trabalhado sem a aplicação de herbicidas. A colocação das placas mais altas permite o aproveitamento do solo para o cultivo de alimentos, a criação animal e outras experiências sustentáveis.

O projeto de Poço da Cruz quer demonstrar que se essa técnica pudesse ser aplicada em parques de grande porte, com centenas de hectares, ela evitaria o despejo de litros de herbicida no solo e ainda possibilitaria a combinação de produção de energia solar com o cultivo de alimentos.

O sistema agrofotovoltaico vem contribuindo com a segurança alimentar de estudantes e profissionais da Escola Técnica em Agroecologia. Em uma área de 24 m², há dez placas instaladas a três metros do chão, que produzem energia solar. A mesma área tem também criação de peixes, cultivo de hortaliças orgânicas, criação de galinhas e produção de compostagem.

Agrofotovoltaico - Fabiana Gomes - Fabiana Gomes
Com calhas fixadas nas placas, o equipamento ainda permite captar água da chuva que é armazenada em uma cisterna
Imagem: Fabiana Gomes

A iniciativa, que é a primeira implementada no estado de Pernambuco, é do Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta), e funciona da seguinte forma: debaixo das placas solares está instalado um tanque de aquaponia com peixes e criação de hortaliças e verduras. Essa técnica permite a criação de peixes e espécies vegetais ao mesmo tempo, garantindo a otimização dos recursos hídricos. Para a região do sertão, onde a água é mais escassa, esse tipo de solução é bastante eficiente.

Abaixo do tanque estão instalados galinheiros que abrigam animais 'caipiras', que na região são conhecidos por galinhas de capoeiras. Os resíduos produzidos por elas vão para uma composteira, são transformados em adubo e voltam para a terra garantindo nutrição ao solo e fechando um ciclo sustentável de produção.

Diversidade e sustentabilidade

A diversidade no local é grande. A área onde está sendo desenvolvido o projeto-piloto tem rúcula, alface, chicória, couve, cebolinha, alho-poró, coentro, manjericão e tomate. Nenhuma das plantações recebe agroquímicos.

Segundo o professor Sebastião Alves, que desenvolveu o projeto para o Serta, além da sustentabilidade ambiental, o miniparque agrofotovoltaico combate um problema que a população sente na barriga.

"Nós temos no Brasil 33 milhões de pessoas passando fome e pode até ter mais. Então, em primeiro lugar, esse projeto minimiza esse problema. Essa área é pequena, tem 24 m², mas é capaz de atender parte da necessidade alimentar de uma família de até seis pessoas."

Agrofotovoltaico - Fabiana Gomes - Fabiana Gomes
Em cada tanque de mil litros podem ser criados até 100 peixes, que estão prontos para serem colhidos após sete meses
Imagem: Fabiana Gomes

Quanto maior a área, maior é a capacidade e a possibilidade de produção. Se os sistemas de produção de energia solar aderissem ao modelo agrofotovoltaico, grandes extensões de terra que hoje abrigam as placas e recebem herbicidas poderiam ser otimizadas no cultivo de alimentos e animais e ainda deixariam de poluir o solo.

Enquanto a energia solar aciona os geradores, os alimentos geram energia para o aprendizado dos estudantes. Aproveitando os espaços aéreo e terrestre, o sistema agrofotovoltaico alimenta os geradores que mantêm a escola da comunidade em funcionamento.

Um dos grandes problemas do semiárido ainda é a escassez de recursos hídricos. Esse sistema é bom porque otimiza ao máximo a água, usando os tanques de peixes na irrigação das hortaliças.

Sebastião Alves, professor

Com calhas fixadas nas placas, o equipamento ainda permite captar água da chuva que é armazenada em uma cisterna. Além das longas estiagens, a desertificação, quer dizer a perda da capacidade produtiva do solo, é outro efeito das mudanças climáticas que mais afeta o semiárido. Por essa razão, o sistema agrofotovoltaico mostra-se bastante viável para minimizar esses efeitos na região.

Produção sem desperdício

No vocabulário do sistema agrofotovoltaico, as palavras desperdício e improviso não existem. A tecnologia é dimensionada de acordo com a necessidade de consumo familiar. Cada tanque de peixe e sistema de cultivo de alimento é montado conforme este hábito de consumo da família. No caso desta unidade piloto, a produção de alimentos é destinada a reforçar a alimentação de estudantes e profissionais da escola.

"Em cada tanque com capacidade de até 1 mil litros podem ser criados até 100 peixes. Após sete meses, os peixes alcançam 500g e já podem ser colhidos. As famílias calculam a quantidade que vão precisar consumir, retiram e colocam o mesmo número de peixes de volta à caixa, em tamanho menor", explica Alves.

Agrofotovoltaico - Fabiana Gomes - Fabiana Gomes
O miniparque agrofotovoltaico pode ser um importante aliado no combate à insegurança alimentar
Imagem: Fabiana Gomes

Com as verduras e hortaliças ocorre o mesmo, e as famílias calculam a média de alimentos que será preciso consumir para calcular a quantidade de sementeiras necessárias para repor os alimentos. "Nós apresentamos uma lista do que pode ser cultivado, as famílias escolhem e informam a sua necessidade de consumo.", diz o professor.

Com um consumo planejado e variedade de nutrientes, as famílias passam por um processo de reeducação alimentar e de cultura de consumo, afirma Sebastião Alves. Elas têm o peixe, uma fonte de proteína, as fibras, vitaminas e minerais provenientes das verduras e legumes. O professor assegura que esse sistema pode ser replicado em áreas urbanas e mais populosas, afetadas pela insegurança alimentar.