Sementes da paixão: Elas estão salvando famílias da seca e fome na Paraíba
No sertão da Paraíba, o agricultor Euzébio Cavalcanti, 52, encontrou uma nova arma contra a fome e as mudanças climáticas: as sementes tradicionais, conhecidas carinhosamente de "sementes da paixão" no estado.
Membro do Assentamento Queimadas, no pequeno município de Remígio, no Polo da Borborema (PB), ele fez da semente uma ferramenta contra a seca e as dificuldades que atingem a comunidade.
Desde que passou a resgatar, armazenar e cultivar essas sementes, em 1993, seu Euzébio economizou dinheiro e ganhou autonomia no seu plantio, passando a ter melhores colheitas.
Em uma região de clima semiárido, marcada por um longo período de estiagem e chuvas concentradas em poucos meses do ano, a iniciativa fez toda a diferença.
"Já teve uma estiagem em que quase todo mundo estava replantando o milho Jaboatão [espécie típica da região] e eu não replantei. Na chuva que voltou, ele retornou [brotou], não deu a mesma produção, mas garantiu guardar a semente para o ano seguinte. É um milho muito resistente! Ter a semente guardada é bom porque [ela] é muito cara na hora de plantar. Quem tem não precisa comprar", afirma.
Da batata doce ao feijão, uma produção agroecológica
Com a garantia de ter, em suas mãos, a semente a ser usada no plantio do ano seguinte, o agricultor ampliou e diversificou sua produção.
Hoje, na roça, ele possui batata doce, produzida a partir da rama da espécie, feijão carioca e mulatinho, macassar (uma erva de origem africana), milho, jerimum, coentro e tomate, além de também criar galinhas. Toda a produção, que é agroecológica — cultivada livre de agroquímicos —, sai diretamente do campo para a mesa.
Quando a chuva cai no semiárido, não há tempo para errar — é preciso aproveitar o período para colher o máximo possível de alimentos. Por essa razão, conta Euzébio, o uso das sementes nativas garante mais segurança de que, da terra, brotarão os frutos.
"A semente nativa a gente conhece, ela é adaptada ao clima daqui. Agora, quando você vai comprar uma semente, você não sabe se ela é de uma região que tem o mesmo clima. Muitas vezes, [ela] vem de perímetro irrigado e aqui a gente não tem irrigação, por isso ela depende de água. O governo distribui a mesma semente aqui e no sul. Se o roçado der errado, o prejuízo é grande", diz ele.
'Achava que todo milho era milho': descobrindo novas espécies de cultivo
Hoje, seu Euzébio vive com a esposa, Roselita Vitor, e três filhos. Mesmo nascido e criado no campo, ele só começou a armazenar sementes em março de 1993, após participar do Encontro do Banco Municipal de Sementes, promovido pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Remígio.
"O encontro foi uma grande aula sobre a importância de guardar bem a semente", relembra. Desde aquele momento, o agricultor voltou decidido a criar o seu próprio banco. Para isso, construiu o "quartinho da semente", um cômodo escuro, localizado fora de casa, dedicado ao armazenamento das sementes, cujo preparo é minucioso e exige cuidados especiais.
"É preciso secar bem a semente no sol, esfriar e armazenar em garrafa pet, sem deixar ar dentro, fechar a garrafa com plástico e guardá-la em local escuro. Também não pode deixar ar dentro da garrafa porque, com o oxigênio, uma vida vai se transformar alí dentro. Além disso, não pode deixar morfo, pois a semente morre. Por isso, ela precisa estar sequinha a ponto de quebrar no dente", afirma.
Para além do armazenamento, o trabalho envolve o resgate de sementes que o agricultor nem sabia que existia. "Tanto eu, como muita gente, achava que todo milho era milho. E a gente conseguiu encontrar outros milhos, o milho Pontinha, Dente de Cavalo, Ibra, Porto Rico, Adelaide. Existem muitas qualidades de milho e cada um age diferente, uns [brotam] mais rápido, outros são mais resistentes, uns mais doces. A gente planta separado, pois a polinização do milho é muito rápida, não pode misturar", conta.
Cada nova espécie conhecida cria novas possibilidades de melhorar o cultivo, explica o agricultor. "Plantando feijão meia rama, a gente conheceu o feijão de cacho e descobriu que o de cacho é muito melhor, pois conseguimos colher tudo de uma vez. Já o de rama vem uma parte", diz.
'As sementes nos ensinam a resistir no semiárido'
Três décadas atrás, em 1995, Euzébio se tornou um dos diretores do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Remígio. Foi a partir daí que sua experiência pessoal começou a resultar em ganhos concretos para toda a comunidade. Na comissão de sementes da entidade, ele ajudou na criação de oito bancos de sementes na área rural do município.
Hoje, como coordenador da Rede de Bancos Comunitários de Sementes do Polo da Borborema (PB), ele apoia famílias agricultoras a guardarem suas sementes.
Como fruto de todo o trabalho, já são 65 bancos comunitários, em 13 municípios da Paraíba. No estado, esses bancos já fazem parte da paisagem.
"As sementes nos ensinam a resistir no semiárido, porque a natureza está mudando — tudo está aquecendo rápido. A semente da paixão é a certeza da nossa segurança alimentar, eu sou apaixonado por ela", finaliza.
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