'Pessoas morrem de calor': Como cidades pelo mundo têm combatido o problema
Em 15 de dezembro de 2022, os termômetros da cidade de Santiago, capital do Chile, atingiram 36,7 ºC, a terceira temperatura mais alta já registrada para aquele mês desde 1911. A marca foi também a segunda maior registrada na cidade durante o mês de dezembro nos últimos 50 anos, e se deu durante uma onda de dez dias de calor extremo.
Santiago não é a única cidade onde fenômenos de calor intenso vêm acontecendo. Entre 2010 e 2019, segundo relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), o mundo teve 38 ondas de calor que levaram à morte mais de 70 mil pessoas.
Para mitigar os efeitos do calor extremo sobre os cidadãos, prefeituras e governos regionais de cidades como Miami (Estados Unidos), Freetown (Serra Leoa), Atenas (Grécia), Monterrey (México) e Santiago apostaram na criação de um cargo específico para tratar do assunto: são os Chief Heat Officers, ou "secretários de calor", em tradução livre.
Juntos, esses municípios fazem parte de uma aliança de cidades líderes contra o calor extremo, organizada e apoiada por iniciativas internacionais do terceiro setor.
"Não é apenas uma expressão: no mundo, as pessoas morrem de calor", afirma Cristina Huidobro, secretária de calor da capital chilena desde março de 2022.
Segundo ela, o calor extremo mata mais gente em todo o mundo do que os demais impactos das mudanças climáticas juntos. É um problema real, de grande escala e impacto.
O que faz um secretário do calor?
Responsáveis por unificar as políticas municipais contra o calor extremo, os secretários são encarregados tanto por acelerar os esforços já existentes no combate ao problema como por estudar, desenhar e criar novas medidas de proteção da população.
Em Santiago, segundo Cristina Huidobro, as ações se dividem em três principais frentes.
Uma delas é a criação de um protocolo com três tipos de alerta, segundo o prognóstico de temperatura: verde ou preventivo para temperaturas acima de 33 ºC, amarelo a partir de 34 ºC e vermelho a partir de 35 ºC.
Colocado em prática pela primeira vez em dezembro do ano passado, o protocolo prevê uma série de recomendações que envolvem uma segunda frente de trabalho na capital chilena: a comunicação e a sensibilização aos riscos ligados ao calor extremo.
Parte dessa agenda está relacionada, por exemplo, ao diálogo com empregadores e serviços públicos para que atividades ao ar livre sejam evitadas nas horas de maior calor do dia.
"São medidas que, obviamente, não vão evitar que aconteçam ondas de calor. É um caminho para manter as pessoas protegidas", afirma a secretária chilena.
Sombra e água fresca
Outras recomendações vão no mesmo sentido, como: beber água; usar boné ou chapéu, óculos de sol e roupas leves; tomar duchas de água fria; e evitar a exposição ao sol, ou usar protetor solar caso a exposição seja necessária.
"Diferentemente de outros impactos das mudanças climáticas e de outros desastres de nível global, que são muito mais difíceis de prever e mitigar, qualquer pessoa que beba água, procure sombra e descanse deveria ficar bem", diz.
A boa notícia, se é que podemos falar em boa notícia, é que ninguém deveria morrer de calor.
Cristina Huidobro, secretária de calor de Santiago
Uma terceira frente de trabalho em Santiago é a busca por soluções baseadas na natureza para a adaptação da cidade às mudanças climáticas, que envolvem desde a arborização e a plantação de bosques urbanos, até o uso de pavimentos frios, capazes de refletir a radiação solar.
Os pilares das medidas adotadas em Santiago aparecem também no trabalho feito em outras cidades onde existe o cargo de 'secretário do calor'.
Em Atenas, por exemplo, o governo local adotou um protocolo que classifica as ondas de calor em categorias de baixo, médio ou alto risco à saúde.
Em Miami, o governo local criou um mapa de vulnerabilidade ao calor. Feito a partir do cruzamento de dados como o tipo de pavimento, a cobertura proporcionada por árvores e o número de hospitalizações em cada código postal, esse levantamento possibilitou identificar os bairros onde as pessoas estão mais suscetíveis aos riscos do calor extremo.
E o calor extremo no Brasil?
O Brasil é, reconhecidamente, um país de clima mais quente. Mas isso não significa que algumas cidades ou regiões brasileiras não sofram ou possam vir a sofrer com o calor extremo.
Uma pesquisa publicada na revista científica Communications Earth & Environment em agosto do ano passado aponta que, com o avanço das mudanças climáticas, áreas tropicais e subtropicais — entre elas, o Brasil — podem ter temperaturas acima dos 39 ºC, consideradas pelo estudo como perigosas para a saúde humana, pela maior parte do ano no futuro.
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, uma organização civil independente dedicada a estudar e propor medidas climáticas, defende a necessidade de adaptação das cidades para os eventos decorrentes do avanço das mudanças climáticas, entre eles o calor extremo.
O Brasil urbano foi construído para um clima que não existe mais, que não vai voltar a existir.
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa
Segundo ela, apesar de cidades como o Rio de Janeiro, Niterói e São Paulo terem secretarias de ambiente e clima, nenhuma das pastas tem um olhar voltado especificamente para o calor — o que, de acordo com ela, deveria começar a ganhar força no atual contexto brasileiro, inclusive com a adoção de medidas similares à criação do cargo de secretário de calor nas administrações municipais.
Cuiabá 40 graus
Natalie ressalta, ainda, que uma região de atenção quando se fala em calor extremo no Brasil é o Centro-Oeste: na cidade de Cuiabá, por exemplo, o mês de setembro de 2020 teve registros de temperaturas iguais ou maiores a 40 ºC em 18 de 29 dias.
"Existem projeções de um aumento expressivo da temperatura nas cidades da região, que são as mais afetadas nos modelos climáticos", afirma. "Elas [as cidades] precisam reconhecer que esse é um problema delas, precisam começar a fazer um diagnóstico de quem está sendo afetado e o que ela, como governo municipal, pode fazer".
A presidente do Instituto Talanoa sugere alianças dos municípios com os governos estadual, federal e até mesmo mecanismos privados para encarar o assunto.
A secretária de Santiago diz que a criação do cargo na capital chilena possibilitou não só o estudo e a implementação de diversas medidas para combater o calor, mas também ajudou a trazer uma visibilidade real para o problema dentro da administração pública.
"Sempre fomos muito sensíveis ao tema da escassez hídrica, por exemplo, e tendemos a fazer projetos de arborização, áreas verdes, com baixíssimo requerimento de água. Mas, muitas vezes, as espécies que têm baixo requerimento de água não são sempre as que mais ajudam a resfriar o ambiente, e nós precisamos esfriar a cidade. A agenda de calor traz uma outra ótica", explica.
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