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Motoristas de app podem se recusar a transportar pessoas com cão-guia?

De Ecoa, em São Paulo (SP)

20/04/2023 06h00

Thiago Laurentino da Silva, 42, tem uma vida corrida. Ele atua como massoterapeuta em três pontos da cidade de São Paulo: Itaquera, na zona leste, Moema, na zona sul, e a região da Paulista, no centro. Thiago também faz faculdade de fisioterapia.

Mas um problema recorrente tem atrapalhado sua rotina: quando precisa pegar um carro de aplicativo para se deslocar, muitos motoristas se recusam a levá-lo. Alguns nem se justificam, simplesmente arrancam com o carro quando o veem.

Thiago é uma pessoa com deficiência visual e, desde 2022, anda acompanhado do cão-guia Ziggy. "Isso acontece toda semana. Eu peço um Uber para ir a alguma consulta ou trabalhar e tenho que sair pelo menos 40 minutos mais cedo porque tem aqueles que não querem levar", diz.

O massoterapeuta fez várias reclamações por meio da plataforma e, como a situação continua a se repetir, decidiu entrar na Justiça com uma ação contra a empresa em março.

Ações vitoriosas, mas 'baratas'

1 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Thiago Laurentino da Silva e o cão-guia Ziggy
Imagem: Arquivo pessoal

A advogada Dandara Piani está conduzindo o caso de Thiago. Desde 2020, ela já atuou em 11 processos desse tipo, a maioria contra empresas de transporte por aplicativo. Somente um dos processos teve uma companhia aérea como alvo.

Segundo Piani, os tribunais vêm reconhecendo o direito - previsto em lei - de pessoas com deficiência utilizarem esses serviços acompanhadas de cão guia, e muitas dessas ações foram vitoriosas.

Até o momento, porém, essas vitórias não foram capazes de modificar a conduta das empresas. "Desde o primeiro processo, não vimos nenhuma diferença", diz Piani a Ecoa.

A advogada atribui a inação das empresas ao baixo valor das indenizações cobradas pela Justiça, que tem ficado entre de R$ 10 mil e R$ 20 mil.

Em 2021, a Justiça dos Estados Unidos condenou a Uber a pagar uma indenização de US$ 1,1 milhão a uma mulher com deficiência visual que teve 14 viagens negadas entre 2016 e 2018, e chegou a sofrer agressões verbais de motoristas por estar com seu cão-guia.

Processos têm aumentado

O Estatuto da pessoa com deficiência, lei federal de 2015, considera como discriminação "toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão" que impeça o exercício dos direitos da pessoa com deficiência, incluindo a acessibilidade e o transporte.

Com a vigência da lei, o número de ações de indenização por danos morais movidas por pessoas com deficiência tem crescido, e mais advogados estão se especializando na área, segundo a advogada Dandara Piani.

Mas, no caso dos cães-guia, o direito de pessoas com deficiência visual de entrar em todos os meios de transporte acompanhadas pelo animal já era previsto desde 2005 pela lei nº 11.126, conhecida como lei do cão-guia.

Em nota a Ecoa, a Uber diz ter como política que "motoristas parceiros cumpram a legislação que rege o transporte de pessoas com deficiência e acomodem cães de serviço".

A empresa afirma fornecer aos motoristas materiais informativos, incluindo um guia de acessibilidade, com orientações de conduta para os motoristas em relação a pessoas com deficiência. Denúncias de discriminação levam à desativação temporária da conta e podem acarretar a exclusão da plataforma.

Dandara Piani diz que a política das empresas de transporte por aplicativo não tem sido eficaz, já que passageiros acompanhados de cães-guia continuam recebendo negativas todos os dias.

"De nada adianta essas informações estarem nos termos [da plataforma] se os motoristas não leem e não colocam isso em prática", diz a advogada.

Para ela, faltam políticas públicas e ações de conscientização por parte das empresas para tornar essas leis mais difundidas. Agora, além da indenização, a advogada e um denunciante exigiram que a empresa implemente, em 60 dias após a sentença, medidas mais efetivas contra atitudes discriminatórias desse tipo. O pedido aguarda decisão do juiz.

"Alguns [motoristas] falam 'você tem que avisar que está com um cão-guia. Não, a gente não precisa avisar", diz o massoterapeuta Thiago da Silva. "Você avisa que está entrando de óculos dentro do carro? Não, né? [O cão-guia] são meus olhos. Esse é um preconceito que as pessoas têm".