Cursinho rompe ciclo de exclusão: 'Sou o único da família na faculdade'
Na periferia de São Paulo (SP) um cursinho popular está ajudando a inserir jovens na universidade, rompendo com um ciclo de pobreza e de falta de oportunidades no ensino superior.
Promovido pelo Instituto Coexistência, o espaço, que fica em Parelheiros, extremo sul da capital paulista, conta com área verde, quadra de futebol, salas de aula e cozinha. Com aulas aos sábados, os alunos fazem todas as refeições no espaço e não pagam para estudar. O cursinho sobrevive, principalmente, de doações.
Com professores de todas as disciplinas incluídas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), as aulas buscam atrair os estudantes pela sua dinâmica, segundo a presidente da instituição, Silvia Geruza
A educação é uma das maneiras de romper com o ciclo da pobreza. Porém temos encontrado dificuldade de continuar oferecendo [educação] para os jovens. Na pandemia as pessoas ajudaram mais, depois deu uma caída, Silvia Geruza, Instituto Coexistência
'Não tem praça, não tem shopping': quando a educação é vítima da exclusão
Wendell da Luz, 28, é radiologista e, no cursinho, dá aula de física, química e biologia. Segundo ele, os adolescentes têm dificuldades de se reconhecer no ambiente acadêmico.
"O déficit de educação naquela região é estrutural. Lá é uma região afastada que não tem praça, não tem shopping. Se você quiser um lugar de lazer, é preciso se deslocar muito. Justamente por essa ausência de lugares, as pessoas acabam acreditando que o que sobra é delas. E isso acaba se refletindo na educação", diz ele.
Como explica Wendell, o cursinho tem a proposta de formar pessoas críticas a partir do diálogo franco e de recursos como documentários e artigos.
"Não são aulas técnicas, mas nós conversamos, trazemos documentários, textos, como se fosse um grupo de pesquisa, para que o aluno tome um senso crítico sobre a sociedade, [entendendo] qual é o papel dele e a importância dele estar ali estudando", afirma o professor.
'Fui o primeiro da família a cursar o ensino médio'
Para a maioria dos alunos, ingressar em um curso de nível superior significa quebrar ciclos de violência e ser o primeiro no círculo familiar a conquistar um diploma, como é o caso de Gustavo Henrique, 21, que está no primeiro semestre da faculdade de nutrição e participou do cursinho do Coexistência.
"O Instituto trouxe transformação para a minha vida porque fez eu não me acostumar com a minha realidade, me fazendo enxergar que tenho capacidade para conquistar mais espaços", afirma Gustavo, que atua profissionalmente como confeiteiro.
Em suas palavras, ele narra a emoção de quebrar barreiras pela educação. "Sou a única pessoa da minha família que terminou o ensino médio e ingressou na faculdade e isso foi algo lindo para mim [...] a sensação de quebrar barreiras é enorme, é um sentimento maravilhoso", diz o estudante, que quer servir de inspiração para os demais jovens da periferia.
Para além da geração de renda, a formação de jovens ajuda na prevenção à dependência química — a região tem um histórico de altos índices de tráfico na capital paulista. O Instituto atende, principalmente, jovens e mulheres com baixa renda e em situação de vulnerabilidade social.
Das aulas de música às moradias ecológicas
Nascido como um braço social da Igreja Betesda de São Paulo, hoje o Instituto Coexistência opera de maneira independente, como uma organização sem fins lucrativos.
Há dez anos, mantém diversos projetos que beneficiam a comunidade em seu entorno, dando aulas gratuitas de informática, musicalização, escolinha de futebol, além de cursos profissionalizantes como manicure e confeitaria.
Além da educação, a organização também atua na luta por moradia na comunidade. Em 2021, no bairro vizinho de Jardim Santa Tereza, uma ecovila com casas feitas de material 100% reciclável beneficiou cinco famílias que viviam em condições precárias.
Para a recepcionista Natália Santana, ex-aluna do instituto, o Coexistência foi um local de acolhimento e aprendizagem. "O instituto me deu bagagem, fez com que eu enxergasse a potencialidade que eu tenho em um ambiente periférico sendo uma mulher preta", afirma a jovem de 22 anos.
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