Morta a tiros, ela lutou contra construção de hidrelétrica em terra sagrada
Líder indígena, ambientalista e feminista, Berta Cáceres não poupou esforços na luta contra a construção de uma represa hidrelétrica no rio Gualcarque, no oeste de Honduras, considerado sagrado para os povos originários da região.
Seus alertas sobre os impactos socioambientais do projeto e sua batalha em defesa do povo lenca, a maior comunidade indígena de Honduras, renderam a ela o Prêmio Ambiental Goldman, conhecido como o "Nobel Ambiental", no ano de 2015.
Esta mesma luta, no entanto, acabou tirando a sua vida cerca de um ano depois: em março de 2016, Berta foi assassinada a tiros em sua casa na cidade de La Esperanza, em Honduras.
A ativista já havia denunciado a jornais estrangeiros que vinha recebendo ameaças de morte - que, segundo ela, vinham tanto de seguranças privados como de membros da polícia e do Exército hondurenhos envolvidos com a construção da represa.
Ativista desde o berço
Berta Isabel Cáceres Flores nasceu em Honduras, em 1971, e cresceu em meio a um contexto de crise econômica e política na América Central, marcado pela ascensão de governos autoritários na região.
Era a caçula dos doze filhos de Austra Bertha Flores López, e ainda criança acompanhou os trabalhos da mãe como parteira, em especial junto às mulheres indígenas lenca. Cumpriu também tarefas de mensageira entre sua mãe e diferentes grupos insurgentes da região, o que a levou a se envolver na militância política ainda na infância.
No ensino médio, destacou-se como líder estudantil. Formou-se professora em 1988 e decidiu ir a El Salvador para lutar na guerra civil contra o governo ditatorial de direita estabelecido no país. Regressou a Honduras no ano seguinte, onde além de continuar na militância contra os regimes autoritários na América Central passou também a incentivar a luta pela defesa da natureza e da cultura indígena lenca
Foi casada com o líder indígena Salvador Zúñiga, com quem teve quatro filhos. Hoje, sua filha Bertha Zúñiga Cáceres é uma das principais lideranças na defesa dos direitos do povo lenca.
O Exército tem uma lista com nomes de defensores dos direitos humanos procurados, e o meu está no topo. Eu quero viver, há muitas coisas que ainda quero fazer neste mundo, mas nunca pensei em desistir de lutar pelo nosso território (...) Quando eles quiserem me matar, eles o farão.
Berta Cáceres, em entrevista à Al Jazeera, em 2013
Interesses privados e território lenca
Batizado de Agua Zarca, o projeto da hidrelétrica era estimado em US$ 50 milhões (cerca de R$ 245,6 milhões) e previa a construção de uma barragem no rio Gualcarque, em território lenca, restringindo o acesso dos indígenas à região, o que faria com que eles deixassem também de ter acesso à água e aos alimentos necessários para a sua sobrevivência.
Tocado pela empresa privada hondurenha Desa (Desarrollos Energéticos S.A.), o projeto chegou a contar com o apoio da estatal chinesa Sinohydro, do FMO (Banco de Desenvolvimento Holandês) e da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional).
As comunidades locais afirmaram que não foram consultadas ou não tiveram seus desejos respeitados pelo governo hondurenho e nem pelas empresas e entidades envolvidas no projeto.
Berta, que também era uma das cofundadoras do Copinh (Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras), encabeçou a batalha do povo lenca pela defesa de seu território.
Em 2013, quando as primeiras escavadoras foram enviadas à região do rio, os lencas passaram a fazer bloqueios nas estradas, além de piquetes em frente à sede da Desa. Em resposta, forças policiais passaram a instalar bases nas proximidades. Os manifestantes eram retirados à força, mas continuavam voltando.
Mulher de coragem, ouvida por todos
Roberto Herrera, professor de filosofia na Universidade de Costa Rica, conheceu Berta nos anos 2000, em meio a um contexto de mobilização popular e militância em toda a América Central. Ele destaca que, mesmo em situações de tensão com a polícia, a hondurenha mantinha uma postura corajosa e se fazia ouvir, mas nunca de maneira agressiva.
"Berta tinha uma grande capacidade de entender qual era o ponto das coisas e, além disso, era muito corajosa, mas sem deixar de ser uma pessoa doce", diz ele. "Até mesmo quando ela estava cara a cara com os policiais, os paramilitares, ela se comportava de maneira doce - não tranquila, mas doce. Era uma combinação meio mágica", afirma.
Para ele, Berta era "como uma montanha: ela sempre estava ali". "Todos sempre queriam ouvi-la, saber o que ela opinava, o que dizia. Era uma mulher com uma inteligência notável, associada a pensar a luta política, mas ao mesmo tempo uma mulher muito humilde".
Você tem a bala, eu tenho a palavra. A bala morre quando detonada; a palavra vive ao ser replicada.
Berta Cáceres, ativista
A morte de Berta, em 2016, teve repercussão internacional e colocou em evidência a violência e a intimidação sofridas por ambientalistas e defensores dos direitos humanos em Honduras e outros países latino-americanos. Após seu assassinato, investidores internacionais abandonaram o Agua Zarca, e o projeto foi paralisado.
Em 2017, ela foi reconhecida postumamente com o prêmio ambiental mais importante das Nações Unidas, o Campeã da Terra. Em junho de 2022, um ex-executivo da empreiteira Desa foi condenado a mais de 22 anos de prisão pela Justiça hondurenha por ter participado do assassinato da ativista. Pelo menos outras sete pessoas também já foram condenadas por envolvimento no crime.
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