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Hit nos carnavais, Chiquinha Gonzaga desafiou marido libertando escravizado

Chiquinha Gonzaga - Thiago Limón/UOL
Chiquinha Gonzaga
Imagem: Thiago Limón/UOL

Lucas Veloso

Colaboração para o UOL, de São Paulo (SP)

10/05/2023 06h00

Neta de Tomásia, uma escravizada alforriada, Chiquinha Gonzaga foi uma das primeiras mulheres a se destacar na música popular brasileira. Entre suas obras mais famosas estão a marcha "Ó Abre Alas", sucesso nos blocos de Carnaval até hoje, e o tango "Gaúcho", além de inúmeras peças musicais para teatro e óperas.

Chiquinha também teve uma atuação política e social, sendo uma defensora da abolição da escravatura e dos direitos das mulheres.

Nascida em outubro de 1847 no Rio de Janeiro, como Francisca Edwiges Gonzaga, na infância, Chiquinha aprendeu as primeiras letras em casa, estudou piano e apresentou sua primeira composição aos 11 anos. Aos 16 anos, em 1863, casou-se com Jacintho Ribeiro do Amaral, proprietário de terras e de gado na Ilha do Governador, e ganhou um piano como dote. Apesar de se tornar mãe aos 16 anos, Chiquinha continuou a tocar piano, o que não agradava ao marido.

Escolheu a música

Nas viagens que fazia com o marido, comandante da Marinha Mercante, ela ficava longe do piano. Durante a Guerra do Paraguai, Chiquinha viu de perto a violência e os maus-tratos a escravos alforriados, deixando-a revoltada. Com o objetivo de acalmá-la, o marido arranjou um violão a bordo, mas as brigas do casal o levaram a exigir que Chiquinha escolhesse entre ele e a música. Ela escolheu a música.

Aos 29 anos e com quatro filhos, Chiquinha Gonzaga precisou trabalhar para sobreviver. Se tornou professora de piano, pianista de bandas e começou a compor músicas populares. Na mesma época, ela também entrou para o grupo de choro liderado por Joaquim Antônio Callado.

O flautista e professor do Departamento de Música da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo Toninho Carrasqueira destaca que Chiquinha foi a autora de mais de 300 obras. Seu primeiro sucesso, de 1877, foi a encantadora polca "Atraente", até hoje muito tocada e gravada.

"Compôs polcas, tangos, habaneras, fados, choros, valsas, mazurcas, marchas, dobrados, lundus, maxixes, modinhas, escritas para diferentes formações instrumentais, mostrando uma rara versatilidade. Musicou também diversas revistas teatrais, gênero muito popular no início do século 20", diz Toninho.

Chiquinha, a abolicionista

1 - Wikimedia Commons - Wikimedia Commons
Chiquinha Gonzaga durante e juventude e na velhice
Imagem: Wikimedia Commons

Chiquinha participou de campanhas abolicionistas e republicanas, os principais movimentos sociais do fim do século 19. Feminista a frente de seu tempo, de um comportamento libertário, foi precursora da luta pelos direitos autorais. Foi fundadora, inclusive, da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (Sbat).

Gonzaga libertou Zé Flauta, um músico escravizado, com o dinheiro da venda das suas partituras na rua. Chiquinha Gonzaga vendia partituras de porta em porta para arrecadar dinheiro para a Confederação Libertadora. Ela também enfureceu o marido Jacintho Ribeiro do Amaral, com quem já não vivia mais, por libertar João, um cozinheiro escravizado, de 25 anos, que pertencia ao casal.

Ao separar-se do marido, Chiquinha perdeu a guarda dos seus filhos. Seu comportamento visto como ousado para uma mulher, que incluía compor sucessos com títulos sensuais, como 'Atraente' e 'Sedutor', além do fato de circular pelas rodas boêmias e vestir-se de forma contrária à moda, fez com que fosse mal vista.

Ó abre alas

No ano de 1899, Chiquinha Gonzaga residia no bairro carioca do Andaraí, onde participava do cordão Rosa de Ouro. Durante um ensaio, sem muitas expectativas, ela criou a música que se tornaria a primeira canção carnavalesca do Brasil: "Ó abre alas". A partir dessa música, contribuiu para a popularização da marcha-rancho como gênero musical típico do Carnaval carioca.

Diretor do Instituto Piano Brasileiro (IPB), Alexandre Dias é um especialista na música produzida por Chiquinha. Ele revisou todas as partituras avulsas deixadas por ela, cerca de 252 itens, de diversos estilos, como valsas, choro, músicas sacras, hinos e marcha fúnebre. O pesquisador destaca que Chiquinha é uma das mais completas compositoras brasileiras dos séculos 19 e 20:

Muitas de suas músicas foram publicadas em partituras e gravadas enquanto ainda estava viva. Chiquinha é lembrada como autora da primeira marchinha de Carnaval. Alexandre Dias.

Chiquinha, presente

Os dois especialistas concordam que Chiquinha, apesar do destaque e de ser citada como um dos principais nomes da música brasileira, merece mais espaço e destaque por sua contribuição universal no campo das artes. "Ela merece ainda ser bastante estudada, pesquisada. A obra dela ainda não foi gravada na íntegra, por exemplo. Uma quantidade enorme de músicas dela permanece simplesmente inédita", diz o presidente do IPB.

Por seu imenso valor como musicista, por seu exemplo de vida e cidadania, por sua atitude corajosa diante dos diversos tipos de desrespeito, Chiquinha Gonzaga é inspiração para todos nós, pois as causas pelas quais lutou continuam presentes no Brasil de hoje, e precisando de mais 'Chiquinhas Gonzagas'. Toninho Carrasqueira