Topo

Sexo por prazer, oral e futebol: a vida 'quase humana' dos golfinhos

Inteligentes e sociáveis, os golfinhos fazem sexo por prazer e gostam de praticar jogos, como o de "pegar a alga" - Divulgação/Projeto Golfinho Rotador
Inteligentes e sociáveis, os golfinhos fazem sexo por prazer e gostam de praticar jogos, como o de "pegar a alga" Imagem: Divulgação/Projeto Golfinho Rotador

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

10/05/2023 04h00

Não à toa, os golfinhos são uma das espécies do reino animal mais admiradas pelos humanos. Afinal, eles possuem um dos maiores cérebros entre os mamíferos, com exceção do nosso.

Cientistas em todo o mundo acreditam que o fascínio que temos por esses animais pode estar ligado às similaridades que eles apresentam em alguns comportamentos, em relação aos seres humanos. Sociabilidade, amabilidade, sexo por prazer e gosto por jogos são algumas delas.

Os pesquisadores José Martins (doutor em oceanografia biológica), Priscila de Medeiros (mestra em ecologia aquática) e Flávio Lima (doutor com pós-doutorado em biologia estrutural e funcional) fazem parte de um grupo de 20 seletos profissionais que estudam a biologia e o comportamento dos golfinhos-rotadores na região de Fernando de Noronha. Eles estão prestes a lançar um trabalho científico, inédito, que reúne informações detalhadas sobre os golfinhos de Noronha, como parte do Projeto Golfinho Rotador.

A pedido de Ecoa, o trio de especialistas destacou alguns aspectos dos golfinhos que chamam a atenção por sua peculiaridade, bizarrice e até mesmo similaridade com os humanos. Confira:

Golfinho-roteador - Gety Images - Gety Images
Golfinho-rotador
Imagem: Gety Images

Socializar é importante

Golfinhos são animais sociáveis, com hábitos gregários que variam de 3 a mais de 2000 indivíduos em grupos fluídos que se movem livremente entre diferentes círculos de companhia.

Os golfinhos-rotadores têm uma célula familiar liderada pela matriarca, composta por descendentes fêmeas e machos imaturos, que se juntam a vários agrupamentos para formar um grupo maior, que pode conter várias gerações da mesma família e vários machos da classe flutuante.

Eles são conhecidos por sua estratégia de cuidado e proteção mútuos, fortalecendo laços entre indivíduos e promovendo uma sociedade colaborativa e saudável.

Sempre sorrindo

Os golfinhos parecem estar sempre sorrindo porque evolutivamente adotaram a estratégia da simpatia como forma de interagir com os humanos.

Essa estratégia fez com que os golfinhos fossem considerados animais sagrados, lúdicos e não perigosos, além de serem associados à inteligência e sexualidade.

Entretanto, essa estratégia tem consequências negativas para eles em situações de cativeiro ou turismo predatório, pois as pessoas acham que os golfinhos estão gostando da situação, quando, na verdade, estão sendo molestados.

Comunicação complexa

Os golfinhos-rotadores utilizam três canais de comunicação: sonoros, táteis e aéreos. A comunicação sonora é cognitiva e composta por três tipos de sons, e seu comportamento pode ser identificado pelo som predominante. A comunicação aérea é composta por diversos padrões de saltos e batidas com partes do corpo na superfície do mar, que produzem bolhas e turbulências, que transmitem mensagens específicas ao grupo.

Golfinhos gostam de jogos e 'futebol'

Os golfinhos são animais que desenvolvem jogos, tanto os filhotes como os adultos. Os filhotes imitam padrões dos adultos, como manobras, saltos e outros comportamentos.

Eles também se perseguem mutuamente, tocam no corpo ou nadadeiras do outro e entram em brigas que se assemelham a breves sequências do comportamento pré-cópula, incluindo toques com o rosto na genitália.

Os pesquisadores observaram um jogo desenvolvido por juvenis e adultos, que consiste em pegar um pedaço de alga flutuante. O golfinho pega a alga e segura em uma nadadeira por um tempo, solta o "brinquedo" e geralmente pega ele novamente com a mesma ou outra nadadeira, ou a com a cauda, ou também com o rostro.

Também foi observado dois golfinhos brincando com a mesma alga, cada um deles pegando a alga no seu turno. Essa troca de "brinquedo" ou "futebol" foi observada por aproximadamente dez minutos durante o período de estudo. Às vezes dois ou três golfinhos em um mesmo grupo carregavam pedaços de algas.

Carinho maternal

Eles possuem uma estrutura social fluida, baseada em laços familiares entre as fêmeas e seus filhotes e irmãos. Essa relação é muito carinhosa, com as fêmeas nadando sempre próximas dos filhotes e emitindo sons suaves para acalmá-los.

Durante a amamentação, os filhotes se esfregam nas fendas mamárias das mães e podem tomar o leite diretamente ou pela boca, sugando o líquido expelido na água.

Infanticídio

O infanticídio é raro entre golfinhos-rotadores devido à sua estratégia reprodutiva e social. Em outras espécies, como o nariz-de-garrafa e o golfinho-corcunda-indo-pacífico, o infanticídio é mais comum, geralmente cometido por machos adultos em grupos com poucos machos, monopolizando as fêmeas.

A confusão de paternidade é a estratégia do golfinho-rotador para evitar infanticídio, onde todos os machos cuidam de todos os filhotes.

Golfinho-rotador - Gety Images - Gety Images
Golfinho-rotador
Imagem: Gety Images

Clitóris e sexo oral

Os golfinhos-rotadores em Fernando de Noronha podem realizar atividades sexuais sem fins reprodutivos para alcançar prazer ou estreitar laços afetivos.

As atividades sexuais mais frequentes incluem fêmeas fora do período fértil copulando com machos, machos e fêmeas imaturos copulando, e outras interações sexuais como o sexo oral: esfregar e morder delicadamente as regiões genitais.

A descoberta, no ano passado, da presença do clitóris nas fêmeas de golfinhos, ajuda a entender o motivo pelo qual os golfinhos realizam atividades sexuais sem fins reprodutivos, como tocar na genitália das fêmeas.

Relações homoafetivas

Alguns golfinhos, como os rotadores, têm relações homoafetivas sem fins reprodutivos, possivelmente para obter prazer ou diminuir competição pela fecundação de fêmeas.

Comportamentos incluem esfregar ou morder genitais e assumir posição de cópula. Esses comportamentos são vistos em outras espécies de mamíferos e o Projeto Golfinho Rotador usa isso para ensinar sobre a normalidade da homossexualidade no reino animal e combater o preconceito.

Na imagem, dois machos exibem comportamento homoafetivo, com um deles tocando o órgão genital do outro com a boca - Divulgação/Projeto Golfinho Rotador - Divulgação/Projeto Golfinho Rotador
Na imagem, dois machos exibem comportamento homoafetivo, com um deles tocando o órgão genital do outro com a boca
Imagem: Divulgação/Projeto Golfinho Rotador

Forçando a barra no sexo

Em várias espécies de golfinhos, os machos forçam a cópula com as fêmeas, mas na maioria dos grupos reprodutivos de golfinhos-rotadores, é a fêmea que determina quais machos vão efetuar ou não o ato sexual, criando facilidades ou dificuldades para os machos.

O comportamento padrão é que a fêmea seja cortejada por vários machos simultaneamente, e normalmente os machos se juntam em número de três ou mais e se posicionam de diferentes maneiras para copular.

Golfinhos praticam o incesto

Casos de incesto e relações sexuais entre parentes em golfinhos selvagens podem ocorrer dependendo da estratégia reprodutiva da espécie.

Em um estudo com golfinhos nariz-de-garrafa, machos adultos têm mais sucesso no acesso a fêmeas férteis, e as fêmeas reduzem a associação com filhos quando estão férteis, para evitar endogamia.

Nos golfinhos-rotadores, em Noronha, são frequentes as interações sexuais entre imaturos e adultos, incluindo um caso observado em que um filhote que acabara de mamar tentou copular com uma fêmea adulta, mas não conseguiu penetrá-la.

Promiscuidade e poligamia

Algumas espécies de golfinhos adotaram a estratégia sexual promíscua e polígama, onde os parceiros não são definidos. O comportamento sexual varia conforme a estrutura social da espécie, com algumas formando agrupamento (sexo grupal) e outras vivendo solitárias.

Em espécies costeiras há dominância de machos sobre as fêmeas, enquanto a estratégia promíscua é mais comum em espécies que formam grandes agrupamentos, como o golfinho-rotador.