'Diziam que eu era louca de deixar meu filho com o Cazuza', diz Sandra Sá
Há um mês o Brasil acompanhou perplexo o caso do entregador Max Angelo dos Santos que foi chicoteado por uma ex-atleta no Rio de Janeiro. A forma com a mãe do rapaz, a cabeleireira Adriana Alves, o consolou comoveu a muitos, incluindo a cantora e compositora Sandra Sá, 67.
"Me arrepio com a conversa que a mãe desse rapaz teve com ele, encorajando a levantar a cabeça. Me vejo muito com o Jorge [de Sá]. Me emociono porque me vi muito naquela cena. Uma mulher que criou os filhos sem revolta, o cara só se defendeu o tempo inteiro e depois chorou", diz a artista que separou 45 minutos na sua apertadíssima agenda para bater um papo com a reportagem de Ecoa sobre maternidade para celebrar o Dia das Mães.
Ao tratar de racismo com o próprio filho, Sandra afirma que também nunca levou o tema com ódio e as conversas com ele eram mais diretas, sem didatismo: "O lance é assim, tá ligado". Foi assim também quando Jorge perguntou a ela sobre sua homossexualidade: "Nunca tive namorado de fachada, nem escondi nada, sempre fiz as minhas coisas no exemplo e na prática".
Durante a conversa, a rainha do soul brasileiro ainda fala sobre as críticas que recebeu na maternidade e como era chamada de louca por deixar Jorge com o padrinho dele, o Cazuza.
Ao se autoafirmar como uma mãe incrível, Sandra diz que um filho traz o retrato da importância e da responsa que uma mulher é e que ela tem.
Ecoa: Como é ser uma mãe negra no Brasil? Por ser famosa, teve mais privilégios e menos desafios do que uma mãe da periferia tem?
Sandra Sá: Meu desafio foi mais ameno porque nunca entrei na armadilha do: "Não posso, neguinho falou isso então não vou fazer, ou sou negra e não vou ali porque é de branco". Quando tenho um caminho, apenas pego a estrada e vou. A maternidade para mim foi assim porque era uma coisa que queria muito. A maternidade é algo que eu tenho direito de viver, de realizar meus sonhos, de fazer tudo o que eu quiser fazer. Tenho o direito de ser quem eu sou.
Ecoa: Você já deu algumas declarações dizendo que pior do que o racismo é o complexo, e a barreira que se constrói quando se fica com muito "mimimi". Como você falou de racismo com o Jorge?
Sandra Sá: O complexo e a submissão alimentam esse monstro imenso. Muita gente foi e é contra até hoje, mas se alimenta, é pior. Quando falo que o melhor da vida é caminhar é porque não fiquei de didatismo: "Olha, senta aqui". Meus papos com o Jorge sempre foram na prática, fui vivendo e falando: "O lance é assim, tá ligado?".
Ecoa: Ele já te contou sobre algum caso de racismo contra ele?
Sandra Sá: Já aconteceram algumas coisas, mas sinceramente não lembro de nada mais grave. Quando acontecia, Jorge contava, mas não vinha se lamuriar. Tinha coisas que a gente até ria e comentava como o povo precisava de respeito e educação.
A gente ficava mais na trocação de ideias, não tinha o lance de tirar satisfação ou de você tem que voltar lá e fazer isso. Se dialogar dessa forma, a coisa fica meio tipo revolta e ódio. Acho que isso atrapalha e é onde, nós, criolebas, batemos na trave. Não podemos e não vamos cair no jogo e na armadilha da indústria da anticultura, cujo objetivo é o emburrecimento do povo.
Me considero uma mãe incrível e não sou a única, tem muitas mães por aí, como a mãe do entregador que foi chicoteado com um cinto por uma mulher no Rio de Janeiro.
Me arrepio com a conversa que a mãe desse rapaz teve com ele encorajando o levantar a cabeça. Me vejo muito com o Jorge. Me emociono porque me vi muito naquela cena. Uma mulher que criou os filhos sem revolta, o cara só se defendeu o tempo inteiro e depois chorou.
Não tem que ter revolta porque essa é a grande armadilha. Quando você se revolta, acaba fazendo merda e aí neguinho fala: "tá vendo, não disse". Fico feliz porque estou vendo muitas mães assim e muitos filhos incríveis. Acho que é só a gente se ligar, se conscientizar e seguir nesse caminho juntos.
Ecoa: Quais as maiores críticas que você já recebeu na maternidade?
Sandra Sá: Me criticavam muito por deixar o Jorge solto ou com "qualquer um". As pessoas diziam que eu era louca de deixá-lo com o padrinho dele, o Cazuza.
Na festa de aniversário de um ano do Jorge, as pessoas criticaram porque já estava tarde para contar o bolo e o Cazuza não aparecia, mas ele deu uma rasteira em todo mundo, me ligou e disse: "Comadre, não vou no aniversário do meu afilhado, porque ele nunca vai me ver bebum e nas condições em que eu estou, mas amanhã eu e ele vamos comemorar".
Às vezes não respondia às críticas porque me dava preguiça, mas nessa situação disse que o Cazuza era o melhor padrinho que eu poderia ter arrumado para o meu filho.
Uma outra coisa que o pessoal criticava bastante era quando eu saía, mas eu dizia que uma coisa que o meu filho nunca ia ouvir de mim e que eu via muitas mães fazendo era dizer: "Deixei de fazer tudo por sua causa." É terrível para um filho ouvir isso.
Ecoa: Com uma agenda intensa de shows e viagens, como você conciliava carreira e maternidade? Se sentia culpada? Tentava suprir sua ausência de alguma forma?
Sandra Sá: Nunca usei meu tempo com essa parada de culpa. Estou fazendo para o bem e posso errar, dar na trave, mas é uma experiência que estou passando para aprender. Quando Jorge tinha três meses foi ao programa da Hebe comigo. De repente, ele começou a chorar porque queria mamar. A Hebe me perguntou se eu me importava de amamentá-lo ali, disse que não. Quando o programa voltou para o ar, estava amamentando o com toda a naturalidade do mundo.
Durante anos fui ausente, porque estava ralando, graças a Deus, pior se não tivesse com o que ralar. Teve uma vez que estava viajando a trabalho, peguei um voo de São Paulo para o Rio, o levei na escola e depois voltei. Tudo o que fiz não foi para suprir, mas para amar. O amor por um filho é grande, infinito e supremo.
Ecoa: Quando assumiu publicamente sua homossexualidade você disse que não via a necessidade de anunciar aos quatro cantos do mundo que é gay. Mas como foi contar para o Jorge?
Sandra Sá: Nunca assumi nem "desassumi". Sempre fui. Nunca tive namorado de fachada, nem escondi nada, sempre fiz as minhas coisas no exemplo e na prática. Fui vivendo minha vida, ele foi percebendo até que um dia surgiu o papo: "Mãe, qual é a parada, é isso, não é?" Eu disse sim, a gente é o que é.
Não sei lidar com o didatismo de senta aqui que a mamãe vai te contar uma coisa. É muita volta. Falo para o Jorge que a coisa mais relax é falar a verdade, porque se tu mente, tu vai virar escravo da mentira o resto da vida. Não gosto de mentira porque sou preguiçosa e mentir dá um trabalho ferrado.
Nunca teve inquisição e cobranças, mas quando ele via ou sentia que algo não estava bom nos meus relacionamentos, ele chegava junto e dava uns toques. A gente sempre trocou ideias e só queria (e quer) que o outro seja feliz.
Ecoa: Qual a parte que você menos e mais gosta na maternidade?
Sandra Sá: Não tem nenhuma parte que eu não goste. A que mais curto é saber que pari um ser e esse ser olha e me chama de mãe. Só sendo mãe para entender o tamanho desse amor.
Ecoa: Você e o Jorge têm algum programa favorito?
Sandra Sá: Nosso lance é estar perto e se divertir onde quer que a gente esteja. Quando Jorge voltou dos Estados Unidos para o Brasil, a gente saía todos os dias. Publicaram uma fofoca dizendo algo do tipo: "Sandra Sá nas noites cariocas com um gato". Era meu filho, a gente riu pra caraca.
Ecoa: Jorge já é um homem criado: tem 38 anos, é independente e bem-sucedido profissionalmente. O que você aprendeu nessas décadas sendo mãe?
Sandra Sá: Aprendi que a maternidade só te soma e que um filho dá pra gente a percepção exata da vida. E um filho como o Jorge dá a certeza de que o respeito e o amor materno são uma simbiose incrível.
Um filho traz o retrato da importância e da responsa que uma mulher é e que ela tem. Por isso, respeite a mulher, respeite a mãe.
Ecoa: Qual conselho você daria para uma mãe negra ou para quem quer ser mãe hoje no Brasil?
Sandra Sá: Não tem receita, mas quando você é verdadeira, truta, vai sempre ter seu filho por perto. Eu era bem relax e até com uma certa malandragem.
Jorge foi um filho que nunca me deu problema. A briga mais grave que a gente teve foi durante uma viagem para Trancoso, em que ele sumiu e a gente ia se atrasar para pegar um voo. Ele brinca que foi a primeira vez que levantei a mão para ele, mas nunca bati.
A abertura, liberdade e respeito que a gente tem um com outro funciona muito bem. Quando a gente leva a coisa sem medo e culpa, a maternidade fica mais leve.
Por isso, meu conselho para todas as mães, em especial para as mães criolebas, é: não ouça o conselho de ninguém, vai na fé, siga a sua intuição e acredite em você.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.