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'O bolsonarismo é a forma mais bem acabada da miséria política do Brasil'

O ministro dos Direitos Humanos, SIlvio Almeida - Pedro Ladeira/Folhapress
O ministro dos Direitos Humanos, SIlvio Almeida
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Caroline Apple

Colaboração para Ecoa, de Buenos Aires, Argentina

17/05/2023 06h00

No dia 11 de maio, o presidente Lula enviou ao Congresso Nacional o texto do Acordo de Escazú, que fortalece os vínculos entre políticas públicas de direitos humanos e a proteção ambiental. O tratado também visa trazer mais segurança aos ambientalistas, que têm sido alvos de ameaças e assassinatos no Brasil.

Em visita a Buenos Aires, na Argentina, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, recebeu a notícia com otimismo, afirmando ser uma "grande vitória".

"Não estou dizendo que uma norma jurídica, seja ela qual for, vai mudar a história. Isso é fruto de uma luta política que clama por proteção por parte do Estado. Agora, com base política e institucional, a luta ganha outro patamar", afirmou nesta entrevista exclusiva a Ecoa.

Silvio afirma que não tem a pretensão de salvar o mundo, mas tem suas concepções sobre os caminhos que podem ajudar a construir uma sociedade que não seja uma presa fácil para regimes autoritários e onde a violência deixe de ser algo normalizado. E dentre os caminhos propostos pelo ministro, está o reconhecimento do passado racista para entender o presente e mudar o futuro.

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O ministro dos Direitos Humanos, SIlvio Almeida
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Ecoa: O que pode mudar no Brasil com o Tratado de Escazú?

Silvio Almeida: Só do presidente ter enviado essa mensagem ao Congresso Nacional foi uma grande vitória. Acredito que abra um capítulo muito interessante na história do Brasil, porque vincula a proteção dos direitos humanos com a pauta ambiental. O tema tem muita relevância por causa do momento de violência sistemática contra os ambientalistas.

Todo o país que faz parte do tratado tem que estabelecer regras para a proteção dos defensores dos direitos humanos, o que não temos ainda no Brasil.

Com o tratado, teremos a obrigação de sentar na mesa, como governo federal e estados, e discutir políticas públicas. O que é fundamental para mim é que vamos precisar de orçamento e investimento para criar esse sistema protetivo.

Não estou dizendo que uma norma jurídica, seja ela qual for, vai mudar a história. Isso é fruto de uma luta política que clama por proteção por parte do Estado. Agora, com base política e institucional, a luta ganha outro patamar.

Como grandes defensores da biodiversidade e que sofrem ataques recorrentes, os indígenas entrariam nessas políticas de proteção aos ambientalistas prevista no tratado?

Eu entendo que sim. Veja só. Você já colocou um patamar interpretativo que a gente tem que defender. Abre-se todo o tipo de espaço.

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O ministro dos Direitos Humanos, SIlvio Almeida
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

A pauta indígena está conectada também com o racismo e todos seus efeitos colaterais. Portanto, como você vê o papel do racismo na construção da sociedade brasileira?

O racismo está na base dos problemas da América Latina e tem forte influência na instalação dos regimes autoritários. A morte e o assassinato estão incorporados à vida social e isso tem a ver com o fato de que somos fundamentalmente negros e indígenas.

Essa desvalorização da vida facilita a atuação de regimes ditatoriais e antidemocráticos. Então, a gente precisa olhar para a escravidão transatlântica e para os massacres dos povos indígenas para chegar até as ditaduras que marcaram a América Latina.

E para fazer essa política de memória, de reparação e não repetição, é preciso também reconfigurar o que chamamos de democracia.

Então, vamos ter que olhar necessariamente para a questão racial para que a gente supere as violências que nos constituem. Se não pensar a questão racial não vamos conseguir superar a desigualdade, pobreza, a violência e autoritarismo.

Numa sociedade que desvaloriza a vida é muito fácil matar pessoas, violentar mulheres... Existe um fio muito apagado que liga o colonialismo na América do Sul com os regimes ditatoriais.

Você acredita que o bolsonarismo é uma das consequências do racismo?

O bolsonarismo é a forma mais bem acabada da miséria política e moral do Brasil. Ele é uma mistura de autoritarismo com desigualdades que constituem a nossa história. Ele é o resultado do racismo que estrutura nossa vida social. Quando a gente não tem os instrumentos de contenção dessas variantes estruturais da história brasileira, você tem surgimento dessa versão do fascismo brasileiro.

E quais as próximas ações práticas do ministério?

Terei uma reunião de trabalho com a ministra Anielle Franco nesta semana. Vamos discutir formas de colaboração na área da educação e dos direitos humanos, formas de cooperação técnica e programas como o de enfrentamento à tortura, pessoas privadas de liberdade e o Juventude Negra Viva, além de falar sobre medidas socioeducativas, dizendo para as crianças e adolescentes como integrar isso com as questões relacionadas ao racismo.

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O ministro dos Direitos Humanos, SIlvio Almeida
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Como é ser ministro dos Direitos Humanos em um mundo com tantos problemas?

Eu vou repetir uma fala do Ailton Krenak que eu gosto: A nossa tarefa aqui é adiar o fim do mundo, só isso. Se eu conseguir adiar o fim do mundo já está bom. Foi isso que meus antepassados fizeram.

Precisamos fazer com que a próxima geração tenha uma pretensão maior do que a nossa. A gente não tem que ter a pretensão de salvar o mundo. Precisamos fazer com que as pessoas que vieram depois de nós tenham uma vida viável, uma vida decente.

E faremos isso construindo novos parâmetros, novas formas de fazer política e de pensar os direitos humanos, não só na América Latina, mas no mundo todo. Como professor, como escritor, eu tenho muita essa preocupação de fazer essa relação entre teoria e prática. Eu acho que não tem outra saída.

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