'Caçadora de nazistas', ela descobriu 1.117 grupos extremistas no Brasil
Foi no começo dos anos 2000 que a antropóloga e cientista social Adriana Abreu Magalhães Dias deu início à pesquisa sobre movimentos supremacistas brasileiros na internet que a tornaria conhecida, nas décadas seguintes, como "caçadora de nazistas".
Na época, Adriana concluía o curso de Ciências Sociais na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde seguiu se dedicando ao assunto no mestrado e doutorado em Antropologia Social.
A investigação da paulistana, que também tinha conhecimentos em programação, trouxe resultados importantes: revelou o crescimento vertiginoso de células neonazistas no país, referenciou o trabalho da polícia e Ministério Público e fundamentou uma projeção que se concretizou com as eleições de 2018.
"Ela dizia que, com aquele aumento da atividade de grupos e leitores de material de conteúdo neonazista e negacionista, iria chegar uma hora que teríamos um governo de extrema-direita", recorda o companheiro da pesquisadora, o funcionário público Marcelo Higa.
Adriana morreu no dia 29 de janeiro de 2023 depois de travar uma luta contra um câncer cerebral. Seu monitoramento mostrou que, de 72 células neonazistas identificadas em 2015, o número saltou para 1.117 em 2022.
Além da presença em redes sociais, tais grupos disseminam o discurso antissemita, racista e xenofóbico em fóruns online e na deep web, ambiente virtual que não é facilmente detectado nos meios tradicionais de busca na internet.
Carta de Bolsonaro
Durante o trabalho de mapeamento inédito, a antropóloga também colocava em prática uma postura de ativismo digital contra supremacistas.
Adriana imprimia todo o material possível, a fim de garantir cópias, e denunciava os sites e perfis para que fossem derrubados da rede.
Em uma dessas impressões arquivadas, a pesquisadora localizou, por acaso, uma carta do ex-presidente Jair Bolsonaro. Apesar de ter sido encontrado em 2021, o texto havia sido escrito em 17 de dezembro de 2004, quando Bolsonaro ainda atuava como deputado federal.
"Todo retorno que tenho dos comunicados se transforma em estímulo ao meu trabalho. Vocês são a razão da existência do meu mandato", dizia o comunicado, que se tornou um indicativo sobre a ligação do bolsonarismo com grupos extremistas. A mensagem nunca foi encontrada em outros sites.
Higa comenta que, por diversas vezes, o trabalho de Adriana sofreu tentativas de intimidação, com ameaças por e-mail e telefone, o que a levava a redobrar os cuidados com sua segurança.
Ela procurava manter o anonimato. Só mais recentemente, seu rosto começou a aparecer na imprensa
Marcelo Higa, companheiro de Adriana
Pelos direitos da pessoa com deficiência
Nascida em São Paulo (SP), em 28 de dezembro de 1970, Adriana era portadora de osteogênese imperfeita, uma doença genética rara conhecida como "ossos de vidro".
Desde a infância, teve mais de 300 fraturas e passou por mais de 30 cirurgias. As dificuldades enfrentadas devido à patologia também a levaram à militância pelos direitos das pessoas com deficiência.
Fundou, em 2010, o Instituto Baresi, fórum nacional que representa cerca de 170 associações de pessoas com doenças raras, deficiências e outros grupos de minoria.
Em busca da defesa dos direitos desse público, Adriana participou da elaboração do projeto de lei para o Dia Nacional das Doenças Raras e contribuiu para o desenvolvimento da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, entre 2012 e 2014.
Ela tinha doença de 'ossos de vidro', mas era inquebrantável, não se quebrava na defesa dos direitos das pessoas, na defesa da igualdade
Marcelo Higa, companheiro de Adriana
Em 2018, representou pessoas com deficiência e doenças raras em audiência pública do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização do aborto. Adriana, na ocasião, refutou o argumento de eugenia contra o aborto e reforçou a necessidade de proteger os direitos de meninas e mulheres com deficiência.
Atuou ainda na Frente Nacional de Mulheres com Deficiência, no Comitê Deficiência e Acessibilidade da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e coordenou a Associação Vida e Justiça de Apoio às Vítimas da Covid-19. Também fez parte da equipe de transição do governo Lula, em 2022.
"Adriana foi uma pessoa multifacetada no sentido de direções e coisas que queria fazer, que acreditava no ser humano, tinha uma preocupação muito grande em defender quem não podia se defender", definiu o companheiro.
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