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'Revolucionou a vida': Como fruto considerado praga virou 'ouro' no Pará

Da praga ao ouro - Naiara Jinknss
Da praga ao ouro
Imagem: Naiara Jinknss

De Ecoa, em Belém (PA)

22/05/2023 06h00

Até pouco tempo, o tucumã não tinha grande prestígio no Pará. Era comum ver fazendeiros arrancando ou tocando fogo na palmeira amazônica que dá o fruto redondo de casca amarela, vista por eles como praga por sua resistência e seus espinhos longos, capazes de machucar o gado ou danificar as máquinas.

O agricultor Jair de Oliveira Reis, 66, nascido e criado em Irituia (PA), no entanto, foi um dos primeiros dali a ver o potencial do fruto. Descendentes de quilombolas e indígenas, ele e a família comiam o tucumã e preservavam a palmeira desde a infância dele, na década de 1960.

Por muito tempo, ele ouviu falar que a árvore "não prestava". Era tachado de louco por querer protegê-la, mas Jair tinha uma visão diferente: "A gente observava que os bichos ficavam bem gordinhos na época do tucumã, então devia ter algo de bom nele, muita vitamina", lembra.

Hoje, seu Jair é um dos produtores que fornecem o fruto fresco para a cooperativa local, a D'Irituia, que comercializa a amêndoa do tucumã para a Natura.

Desde 2019, ele entregou mais de dez toneladas ao ano à cooperativa, recebendo até R$ 10 mil pela safra. Com esse dinheiro, conseguiu fazer melhorias em sua propriedade: construiu um poço artesiano e uma casa de farinha. Sua área tem cerca de mil tucumãzeiros, entre outras espécies amazônicas, como açaí, ucuuba, andiroba e umbu-cajá.

Tucumã - Naiara Jinknss - Naiara Jinknss
Imagem: Naiara Jinknss

Em 2017, a D'Irituia atravessava uma crise e quase fechou as portas. Foi com a extração do tucumã e mudanças na gestão que conseguiram pagar as dívidas. "Essa parceria revolucionou a vida de todo mundo", diz Iraceli Oliveira de Lima, agricultora, professora e cooperada.

Hoje, a cadeia do tucumã beneficia diretamente 33 pessoas (indiretamente, são mais de 100) da região através da cooperativa, com destaque para as mulheres que lideram o trabalho e também assumiram o controle da D'Irituia, formando sozinhas o quadro diretor.

Eu jogo bola e nos campos aí pela redondeza onde eu vou, vejo cacho de tucumã. Me falam 'Égua, mas tu só vive só pensando no tucumã!' A gente tem que pensar nele: é o nosso ouro!"
Dorcicleia (Sabrina) Nunes de Oliveira, diretora de produção da D'Irituia

Tucumã tem incentivado a conservação da floresta

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Imagem: Naiara Jinknss

Variedade paraense da árvore amazônica, o tucumã-do-pará chega a mais de dez metros de altura e se regenera facilmente. Leva até dois anos para germinar e cresce devagar, dando frutos só a partir do oitavo ano.

O tucumãzeiro não exige solo muito fértil e é resistente ao fogo. Por conta dessas características, é chamado algumas vezes de "fênix da Amazônia": consegue rebrotar depois de queimadas e é uma espécie pioneira, capaz de se desenvolver em condições adversas e colonizar o ambiente para outras espécies.

Além de gerar renda, a valorização econômica do fruto também impactou a relação dos habitantes da região com a palmeira. Em 2019, a D'Irituia chegou a colocar mensagens nas redes sociais e no rádio instruindo a população do município a não derrubar a árvore.

"Hoje todo mundo tem cuidado com o tucumãzeiro. Tem fazendeiro que ainda manda tirar, mas são eles que perdem, vale mais a pena manter e tirar o fruto", diz o agricultor Jair de Oliveira Reis.

Algo parecido aconteceu a cerca de 135 km de Irituia, no município de Santo Antônio do Tauá (PA), onde a cooperativa Camtauá também passou a trabalhar com o tucumã nos últimos anos. Ao lado do murumuru, outro ingrediente comprado pela Natura, o fruto se tornou um de seus carros-chefes.

O município é produtor de hortaliças e os agricultores tinham o costume de arrancar os tucumãzeiros do capoeirão para fazer os canteiros.

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Imagem: Naiara Jinknss

Hoje, a cooperativa incentiva os produtores a manter a palmeira em suas áreas. Para que a coleta seja sustentável, o recomendado é deixar 30% dos frutos para alimentar animais e outras espécies, além de fazer brotar novas árvores.

O fruto vem contribuindo para uma melhora de vida: cada pé produz cerca de 30 kg de frutos por safra, vendidos em média por R$ 30. Com essa renda extra, os cooperados vêm lajotando suas casas, construindo banheiros melhores e comprando veículos próprios em uma região onde a logística é difícil.

É um incentivo para manter as pessoas em suas terras, em uma atividade que ajuda na conservação da floresta: as cooperativas fazem mutirões para plantar agrofloresta em áreas que antes eram pasto ou monocultura, começando pelo tucumanzeiro.

Os valores do Tucumã

Para chegar do fruto à amêndoa, são necessários vários processos: despolpar, secar, quebrar e selecionar. Muitos testes foram feitos, com o apoio de técnicos da Natura, até a cooperativa dominar essas etapas.

Da amêndoa, é retirada a manteiga de tucumã, e da polpa do fruto é extraído o óleo, que serão utilizados na fabricação dos cosméticos da Natura.

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Imagem: Naiara Jinknss

"A Amazônia tem um potencial inesgotável de novos ativos. Pra gente, a inovação tem que ter impacto positivo, isso fomenta a bioeconomia", diz a Ecoa Roseli Mello, líder global de inovação da Natura. "Tem que ser bom negócio também, pra mostrar que jeitos diferentes de fazer dão certo".

A possibilidade de criar produtos feitos do fruto começou a se desenhar há pouco mais de uma década. Durante anos, a empresa realizou uma pesquisa para identificar os componentes do fruto, testar sua segurança e eficácia e desenvolver produtos a partir dele.

Descobriu-se que o tucumã estimula a produção de ácido hialurônico, ativo que hidrata e combate o envelhecimento precoce da pele.

Segundo o relatório mais recente da empresa, a parceria com as comunidades fornecedoras gerou R$ 316,6 mil em benefícios socioambientais para a Amazônia e R$ 364,8 mil para o Brasil em 2021.

Esse cálculo inclui aspectos como a atividade econômica das cooperativas, a renda gerada, iniciativas socioambientais, e repartição de benefícios.

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Imagem: Naiara Jinknss

A repartição corresponde a uma compensação pelo acesso ao "patrimônio genético ou a conhecimento tradicional associado", e é paga pela empresa às comunidades além da remuneração que recebem pelas matérias-primas retiradas do seu território. Essa obrigação foi regulamentada por lei em 2015, mas já era adotada antes disso pela Natura.

A multinacional calcula em dois milhões de hectares, o equivalente a cerca de 2,7 milhões de campos de futebol, a área total da floresta amazônica conservada pelas comunidades das quais compra seus insumos.

A atuação de uma empresa, porém, não consegue fazer frente à destruição da Amazônia e os habitantes da floresta cobram uma presença maior do Estado.

Hoje todo mundo fala em preservar a Amazônia. Mas são poucos que fazem e poucas empresas que incentivam. O poder público não nos dá incentivo nenhum. Falta conhecer as comunidades e o que elas fazem".
Gilson Santana, engenheiro ambiental e coordenador de produção da Camtauá

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Imagem: Naiara Jinknss

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