Renato Freitas: 'Esquerda é racista porque não quer arriscar perder votos'
Em sua primeira viagem internacional como deputado estadual, Renato Freitas (PT) participou de uma série de encontros promovida pelo núcleo PT Argentina. Na ocasião, o deputado deu palestras em que se emocionou diversas vezes contando sua história como menor infrator na periferia de Curitiba, no Paraná, e sobre como os casos de racismo o levaram a abandonar os estudos e o trabalho e a entrar de cabeça no mundo do crime e da violência.
Renato tem sido uma figura emblemática dentro do PT, uma vez que não poupa críticas ao partido, principalmente quando o assunto é combate ao racismo e distribuição do fundo partidário em campanhas como a dele: "Não recebi um centavo do PT", diz. Além disso, o parlamentar não esconde seu desapontamento com a esquerda brasileira, a qual chama de racista.
O deputado também relembrou a falta de apoio do Partido dos Trabalhadores após o episódio da manifestação realizada dentro da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos contra o assassinato do congolês Moïse Kabagambe e de Durval Teófilo Filho, mortos em episódios de racismo.
O protesto lhe rendeu a cassação do mandato de vereador, restituído após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal). "O PT emitiu uma carta na época dizendo que eu devia desculpas ao partido", diz.
Mesmo sendo reconhecido como um deputado combativo e polêmico, Renato acredita na construção de uma "democracia de verdade" e vê nos movimentos populares uma saída para a construção de uma nova realidade.
Em entrevista exclusiva a Ecoa, o deputado falou sobre racismo, segurança pública, educação e a esperança que surge a partir do trabalho de base dentro das comunidades e periferias do Brasil.
Ecoa: O que significa para você uma "democracia de verdade"?
Renato Freitas: Democracia de verdade é aquela que dá voz aos sujeitos que são vítimas das piores violências, ou seja, das políticas de morte.
No caso do Brasil, por exemplo, são os povos originários e a população negra que são vítimas de um genocídio, sobretudo na guerra às drogas que mata e superencarcera a juventude pobre e preta.
Essas pessoas são as únicas que têm competência e conhecimento para determinar as políticas públicas e o grau de urgência delas. Qualquer segundo é sagrado porque representa desperdício de vidas.
Ecoa: Você afirmou na sua palestra que a esquerda é racista. Como esse racismo dentro dos partidos de esquerda impacta na hora de desenvolver políticas públicas de segurança?
Renato Freitas: A segurança pública é um dos pontos de popularidade, porque trata de algo muito instintivo, que é o medo. O medo dá ibope, o medo vende produtos e segurança privada, o medo movimenta o ser humano. E o preto é visto como uma ameaça.
Por isso, vigilância, controle, captura e punição é a política dada à população negra, que tem sua existência criminalizada.
Ninguém quer abrir mão dessa ideologia racista do controle dos negros a partir do sistema penal, porque abrir mão dela é questionar as raízes das desigualdades raciais e sociais do nosso país. Isso arrisca perder votos.
Nem a direita e nem a esquerda querem arriscar perder votos. A esquerda, porque não tem coragem de comprar essa briga e a direita porque essa briga a beneficia. Tem que prender mais, matar mais, criar mais presídios, mais segurança privada.
A esquerda, em tese, é contrária esse processo, mas não tem coragem de enfrentar um senso comum, bélico e racista criado há séculos no nosso país.
E a esquerda tem que se referenciar mais, por exemplo, no processo da Colômbia, que quer anistiar um número massivo de pessoas do sistema carcerário para que haja um processo de pacificação do país.
Isso significa deixar de punir severamente a população que não cometeu crime contra a vida e, portanto, merece uma chance de se reorganizar socialmente a partir de pilares mais justos.
Já no Brasil, pacificação quer dizer exército nas comunidades com fuzil, controlando os passos das pessoas. São paradigmas muito distintos e o paradigma da Colômbia, acredito eu, é o mais apropriado ao que pode ser chamado de esquerda.
Ecoa: Você acredita que a construção dessa "democracia de verdade" ainda está no âmbito da discussão ou já é uma realidade?
Renato Freitas: O fascismo não começa dentro das universidades, das instituições, dos grandes centros ou dos bairros nobres. O fascismo começa nas periferias. Como, por exemplo, quando as milícias dominam territórios, controlando pessoas, instigando à discórdia e o conflito. E a periferia cria um estado de exceção para dar conta do fascismo.
E é lá, nesse lugar, que o gérmen da democracia precisa ser regado. Movimentos como o Mães de Maio, Mães da Maré, movimentos populares que denunciam o autoritarismo. Há uma série de medidas de uma política democrática que tem iniciativa na periferia, que é onde o fascismo de fato cresceu.
O fascismo atua com menos violência no centro, então essas pessoas não têm o termômetro da urgência das causas, aqueles que precisam diagnosticar, ver os sintomas e a saída para isso são os movimentos populares.
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