João Pedrosa: 'O professor bebe, transa, vai para balada. Sou ser humano'
Há três anos, o professor de geografia João Pedrosa estava dentro de uma escola dando aula para 40 alunos por sala. Catapultado à fama pelo Big Brother Brasil, hoje ele fala para 2 milhões de pessoas e apresenta hoje o Trace Trends, no canal Multishow, programa feito por pessoas pretas na televisão.
"Quando uma senhora na rua diz que me viu na TV, penso que minha tia, que morreu há 10 anos, não pode testemunhar isso. Apesar de ver com otimismo a participação negra no audiovisual, ainda acho que estamos longe de uma revolução que, de fato, faça a reparação histórica para a população negra. Mas estamos no caminho", diz.
Em conversa com Ecoa, ele fala da saudade da sala de aula, de como aproveita o palanque das redes sociais e comenta episódios recentes de racismo que ganharam a mídia, como o caso do jogador Vini Jr. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Ecoa: Você deixou a sala de aula, mas não parou de dar aula, agora em outra plataforma. Como é isso para você hoje?
Como aluno, a minha experiência escolar não era das melhores. Eu me tornei professor para melhorar isso. Mas saí do Big Brother com uma nova profissão. Meu propósito ainda é o mesmo, só que agora eu estou lidando com um público bem maior. Hoje, pretendo tentar avançar em discussões sobre a educação utilizando plataformas digitais, que a gente consome todos os dias. Quero que consumam um conteúdo que, de fato, faça pensar.
Professor e comunicador
Você transita bem na internet. Como foi descobrir que tinha esse talento?
O fato de não ter medo de falar em público ajudou. Quero fazer um videozinho explicando o que é o novo ensino médio, explicar de um jeito mais simples. Isso é comunicar, né? Eu me descobri um comunicador que fala de uma maneira que o pessoal entende.
E você segue falando sobre o racismo, por mais cansativo que possa ser continuar explicando para as pessoas...
Não fujo porque eu acredito que é muito pertinente. O racismo acontece em nuances, como achar que a pessoa preta é sempre funcionária e não pode estar comprando em uma loja, por exemplo. Quero falar sobre isso, porque quando a pessoa percebe que está sendo racista, reorganiza a fala. Racismo não é sobre o João, é sobre qualquer pessoa negra dentro do nosso país. Mas também não quero ficar só apontando o dedo para quem é racista.
Você tem um jeito didático de explicar, mesmo quando você era a vítima no BBB. De onde você tira essa força?
Acho que cada um reage de uma forma. Não julgo quem reage com violência porque é algo desgastante. A pessoa te ofender é tão violento quanto a reação que pode vir. O caso do Vini Jr. mexeu muito comigo. O cara foi expulso do jogo após ser violentado! Mas tiro essa vontade de ser centrado na minha profissão. Nunca pensei em gritar com o aluno. Acho que gritar não resolve muito as coisas.
A bolha da internet
Um dos grandes riscos na internet é falar apenas com a bolha. Você pensa nisso quando está criando?
A forma como eu acessei o grande público foi diferente. São pessoas de características diferentes. Meu público discorda entre si e é bom: não gosto do consenso. Se eu fizer um vídeo sobre sistema de cotas e esse vídeo começar a ser compartilhado, recebo mensagem de gente que acha errado o que eu disse, mas que começa a me acompanhar por conta disso. Então recebo isso bem e até explico outra vez. Acho que um bom comunicador faz isso. Se eu quisesse falar o que as pessoas querem ouvir nem valeria a pena.
Professor tem imagem de ser correto, mas como influencer, dá para ser mais espontâneo. Algo mudou na sua postura?
Não. Sabe por quê? Porque eu sempre fui assim. Minha sexualidade nunca foi uma questão na escola. Perguntavam: "o professor é casado? Como ela chama?" Eu respondia que não era ela, era ele, e seguia a aula. Acho que sexualidade de ninguém precisa ser uma questão. O professor bebe, o professor transa, vai para balada. Sou um ser humano. Dentro da sala de aula, sou professor, mas lá fora, eu sou uma pessoa.
Você citou o caso Vini Jr. O que você espera que aconteça a partir disso?
Ele tem uma posição de destaque, é um jogador de futebol de um dos maiores clubes do mundo. O cara joga muito, jogou na seleção. Eu acho muito triste que a gente precise ter casos como esse para poder discutir isso. Lamento que ele tenha que passar por isso, mas virou uma discussão mundial.
Na Espanha, as pessoas estão acostumadas a verem Vini Jr. trabalhando de faxineiro no hotel, atravessando o mar para poder chegar na Europa como imigrante, porque o país dele está em guerra. Ele reorganiza essa estrutura. Por isso que há milhares de pessoas o chamando de coisas esdrúxulas dentro do estádio de futebol.
Qual o papel dos brancos nessa situação no futebol?
O Brasil perde uma Copa do Mundo e os jogadores que são responsabilizados são os jogadores negros. Isso está acontecendo no futebol há décadas, não é agora. Mas o comentarista na televisão, ao vivo no domingo, precisa falar. É dessa forma que ele vai acessar quem está sentado com a sua latinha de cerveja no sofá. Não dá para fingir que as coisas não estão acontecendo.
Espaço na TV
Hoje você faz um programa com pessoas pretas. É uma revolução?
Entendo como um caminho. A Sheron Menezzes protagonizar uma novela depois de muito tempo de carreira é um caminho. Revolucionar ainda não, mas a gente está no caminho, tá? Minha sobrinha de seis anos vai pra escola e quando o amiguinho começa a "zoar", ela entende o que está sofrendo. E responde. Eu não conseguia responder porque eu não entendia. A TV tem esse papel: a gente vê pessoas discutindo isso. Fico muito feliz de fazer parte disso e quero poder estar aqui também em 10 anos.
Você sente falta da sala de aula?
A educação ainda é algo que me motiva muito. Falar sobre educação em outros lugares é muito legal. Receber mensagens de ex-alunos... Quero um dia poder voltar, mas acho que não é o momento.
E como você vê a pauta da violência nas escolas?
É muito estranho isso. Como que se naturalizou que isso vai acontecer nas escolas? Como que as crianças brincam com arma de plástico? O algoritmo do TikTok já me ofereceu conteúdo de tiroteio em escola! Se veio para mim, que sou adulto, imagina o que sente uma criança. O que deixo de conselho para os pais é ver o que eles estão consumindo. A escola é o lugar do aprendizado, da troca. Não do medo.
Os pais precisam deixar as crianças na porta da escola e saber que vão ficar em segurança. No Rio de Janeiro, toda semana tem aula suspensa por conta de violência, de tiroteio... a gente vive em uma guerra.
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