Larissa Manoela: o que é macumba e quando se comete intolerância religiosa?

A confusão na família de Larissa Manoela ganhou contornos mais graves com a mensagem revelada pela coluna de Lucas Pasin no UOL, em que a mãe da atriz e cantora se refere à família do noivo da filha como "macumbeiros". Silvana Taques será alvo de uma investigação policial após a exposição da mensagem.

Termos como macumba e macumbeiro são usados, neste contexto, de forma pejorativa. Mas eles também nomeiam cultos religiosos de matriz africana e são ressignificados por praticantes como forma de afirmação. Entenda abaixo:

O que é macumba, qual a origem e como se usa o termo?

Macumba, de forma geral, é um instrumento de percussão de origem africana e próximo ao reco-reco.

A palavra, no entanto, também acaba sendo usada em tom pejorativo para se referir tanto às oferendas e a entidades religiosas de matrizes africanas, quanto às próprias religiões e seus praticantes (chamados pejorativamente de macumbeiros).

O termo macumba se generalizou por vários motivos. A relação com o instrumento é o menos relevante. De fato, havia um culto com esse nome e alguns pesquisadores defendem que as 'macumbas cariocas' foram tão populares a ponto de denominar todos os cultos de matriz africana por um bom tempo
Rodney William Eugenio, babalorixá, antropólogo, doutor em ciências sociais (PUC-SP) e autor da obra 'Palavras de Axé e Apropriação Cultural'

'Todo brasileiro tem mais de candomblé do que ele pensa que tem.', Rodney William
'Todo brasileiro tem mais de candomblé do que ele pensa que tem.', Rodney William Imagem: Divulgação

Qual a relação do termo macumba com racismo?

A marginalização das manifestações do povo negro torna pejorativo todos os elementos relacionados a essa cultura — da religião ao samba, da capoeira aos bailes funks — e tem relação com o racismo, segundo Rodney William.

Na verdade, o uso da designação macumba ou macumbeiro entre os adeptos das tradições afro-brasileiras sempre foi normal. Havia, entretanto, uma regra: só um macumbeiro poderia chamar outro macumbeiro de macumbeiro. Ao assumir essa identidade, acreditamos que estamos fortalecendo nosso território de resistência
Rodney William

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Se quem pretende nos ofender usa a palavra como xingamento é porque atribui a ela o mesmo teor negativo que a palavra negro já teve. Tudo tem sido ressignificado e hoje o povo de terreiro diz com orgulho que é macumbeiro, da mesma forma que o pertencimento à raça negra tem sido exaltado
Rodney William

A demonização de entidades também diz respeito a uma síntese do racismo brasileiro, diz o antropólogo e sacerdote de religião de matriz africana.

Não podemos perder de vista que Exu foi demonizado, mas essa demonização é uma síntese da demonização do povo e da cultura negra. O negro passou por um processo de exclusão e marginalização que o colocaram muito próximo daquilo que aconteceu com Exu
Rodney William

Qual a forma correta de se referir aos cultos de matrizes africanas?

Apesar da ressignificação da palavra macumba/macumbeiro, Rodney William alerta que essa não é a forma correta de se referir aos cultos de matrizes de africanas. Para se referir às práticas religiosas, é possível usar termos como candomblecista e umbandista.

A palavra foi e ainda é usada como xingamento e a depender do tom e do contexto se enquadra entre as principais práticas do racismo e da intolerância religiosa. E a palavra só se tornou ofensiva porque tudo que está relacionado ao negro foi desqualificado em nossa sociedade
Rodney William

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Samba era coisa de vagabundo, capoeira era coisa de marginal, e macumba [era coisa] de gente ignorante e mal-intencionada. As pessoas devem se referir ao candomblé, à umbanda e a quaisquer outros cultos de matriz africana ou afro-indígena da mesma forma que se referem às demais religiões: com respeito. A palavra macumba já foi ressignificada entre nós, mas é melhor que seu uso para se referir às religiões e tradições de matrizes africanas fique restrito aos adeptos
Rodney William

O antropólogo ainda enxerga como saída a educação na base curricular para que preconceitos do tipo deixem de ser reproduzidos. "É preciso mexer nas escolas e na educação para que se atinjam as famílias e deixemos de reproduzir velhos modelos de discriminação, que obviamente tem a ver com a condição do negro na sociedade brasileira", afirma. O Brasil tem, desde 2003, uma lei que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio.

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