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De perereca a planta escaladora: espécies do Brasil que você não conhece

A perereca-pixinguinha foi batizada assim por representar uma alegria em um momento de lamento - Divulgação/ João Victor Lacerda
A perereca-pixinguinha foi batizada assim por representar uma alegria em um momento de lamento Imagem: Divulgação/ João Victor Lacerda

Da Redação

De Ecoa, em São Paulo (SP)

14/06/2023 04h00

Mesmo com apenas 24% da cobertura vegetal original conservada, a Mata Atlântica ainda vem surpreendendo pesquisadores com novas formas de vida que têm sido descobertas.

Desde 2021, profissionais do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA) identificaram no bioma pelo menos 16 novas espécies, entre plantas, insetos e um anfíbio. Toda essa diversidade, contudo, segue ameaçada. Segundo dados da Fundação SOS Mata Atlântica, uma área equivalente a 20 mil campos de futebol foi desmatada no período de um ano.

A maior parte dessas descobertas na Mata Atlântica está na área da botânica. É o caso da chamada bromélia enigmática (Stigmatodon enigmaticus), planta que recebeu esse nome após intrigar os pesquisadores sobre sua origem; de cinco plantas da família Melastomataceae, sendo que três delas já estão em extinção; e uma espécie ornamental de um grupo conhecido como lanterninha japonesa (Callianthe capixabae).

Há ainda um arbusto que só existe na região do Espírito Santo, chamado de Vitex pomerana, em homenagem à população pomerana no estado; um gênero de plantas novo, o Gyrosphragma latipetala, da família Lythraceae, a mesma da romã; e pelo menos mais quatro do gênero Stigmatodon, um tipo de bromélia acostumado a viver sobre rochas.

Algumas dessas bromélias vivem a 500 metros de altura e são chamadas de escaladoras. Duas delas (Stigmatodon ilhanus e Stigmatodon itamarajuensis) foram encontradas em paredões verticais do sul da Bahia, enquanto a Stigmatodon lemeanus foi coletada em paredões verticais na Pedra dos Três Pontões, em Afonso Cláudio (ES).

No campo dos invertebrados, os achados inéditos foram insetos da família psicodídeos (Arisemus sinuosus e Neopericoma bela), mais conhecidos como mosquitinhos-de-banheiro.

O anfíbio encontrado, por sua vez, ganhou o nome de perereca-pixinguinha (Scinax pixinguinha), uma referência ao músico Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha, por representar uma alegria em um momento de lamento que a Mata Atlântica vive devido à devastação.

Áreas inexploradas

1 - Divulgação/ Lucian Medeiros - Divulgação/ Lucian Medeiros
Bromélia enigmática encontrada na Mata Atlântica
Imagem: Divulgação/ Lucian Medeiros

De acordo com o botânico Dayvid Rodrigues Couto, do INMA, são vários os fatores que levam ao desconhecimento de espécies como as coletadas. "Há áreas que ainda não foram exploradas; em outros casos, o material já está dentro de coleções científicas botânicas há anos, por exemplo, mas nenhum especialista o olhou. Ou, às vezes, tem planta nova em uma área muito explorada, mas que faltou um especialista daquele gênero ali", afirma.

O bioma da Mata Atlântica reúne cerca de 20 mil espécies de plantas, fungos e algas existentes no Brasil. Para se ter uma ideia, somente no caso das plantas, são milhares de gêneros, famílias e espécies que demandam conhecimento especializado.

Dayvid Couto usa como exemplo dessa diversidade a família Bromeliaceae (família botânica do abacaxi), que possui distribuição quase que exclusiva das Américas e tem en torno de 3.740 espécies, organizadas em 82 gêneros. No Brasil, até o momento, foram registradas 1.390 espécies dessa família em 54 gêneros, que ocorrem desde as zonas litorâneas (restingas) até as altas montanhas da Mantiqueira.

Corrida pelo conhecimento

2 - Divulgação/ Renato Goldenberg - Divulgação/ Renato Goldenberg
Planta Microlicia identificada na Mata Atlântica
Imagem: Divulgação/ Renato Goldenberg

O biólogo estima que, por ano, são descobertas 2 mil novas espécies de plantas no mundo todo. Mas se essa diversidade oculta na flora surpreende, a de invertebrados chama ainda mais atenção.

Membro da pós-graduação em entomologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), o pesquisador Alberto Moreira da Silva Neto assinala que projeções indicam a existência de mais de 5 milhões de espécies de insetos no mundo, e nós só temos conhecimento de 20% dessa diversidade.

"É uma corrida conhecer essas espécies. À medida que o meio ambiente está sendo destruído, várias espécies estão sendo extintas e nunca vamos ter conhecimento sobre elas", diz.

De acordo com Silva Neto, perder essas espécies representa perder história e informações pertencentes não só ao bioma onde elas poderiam ser encontradas, mas também de outras regiões do país.

Ele explica essa relação ao se lembrar de um trabalho recente que mostrou uma espécie invertebrada encontrada no interior do Amazonas que apresentava características muito parecidas com outra localizada no sul da Bahia.

"Na Mata Atlântica, alguns bichos têm parentes muito próximos na Amazônia porque essas matas eram uma só no passado. Houve uma grande mudança climática, as matas se afastaram e no meio ficaram o cerrado e a caatinga. Os antepassados dessa espécie começaram a sofrer modificações específicas e foram se diferenciando em espécies. Por isso, se você não preserva a Mata Atlântica deixa de fazer essa conexão de ancestralidade", pontua.

Demanda por mais investimento

3 - Divulgação/ Lucian Medeiros - Divulgação/ Lucian Medeiros
Bromélia enigmática identificada na Mata Atlântica
Imagem: Divulgação/ Lucian Medeiros

Diferentes etapas fazem parte do trabalho desses biólogos, conhecidos como taxonomistas. Primeiro, os pesquisadores vão a campo fazer observações, registros e coletas. Depois, fazem análises em laboratório e catalogam as novas amostras.

Quando os pesquisadores constatam que se trata de uma espécie até então inédita, é preciso que a descoberta seja compartilhada com outros cientistas por meio de uma publicação científica. Nessa fase, a espécie também já recebeu um nome em latim, que será oficializado internacionalmente por meio da publicação.

Segundo os pesquisadores, a possibilidade de uso das descobertas é infinita, podendo abranger desde a arquitetura, no caso das plantas dos paredões verticais, à extração de substâncias do organismo de insetos que poderiam ser usadas em medicações. Além disso, a própria descrição e nomeação das novas espécies podem contribuir na prevenção e combate de doenças.

Por isso, destaca Silva Neto, a necessidade de mais investimento em pesquisa básica e ações como excursões de campo e catalogação, além da preservação do bioma. "A identificação desses organismos é fundamental. Conhecer e rastrear a nossa diversidade é uma grande estratégia para qualquer país."

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