Biógrafo de Zumbi, ele evitou linchamento de rapaz negro em Copacabana
Filho de pernambucanos, o escritor e historiador Joel Rufino dos Santos tomou gosto pela leitura ainda criança. As primeiras narrativas que povoaram o imaginário do menino nascido em Cascadura, subúrbio carioca, em 1941, foram contadas pela avó Maria.
Já adulto, fez das histórias - reais e fictícias - projeto de uma vida engajada na causa negra. Ao longo de 74 anos, publicou 55 livros, incluindo escritos historiográficos, ensaios críticos, romances e títulos infantojuvenis.
Por meio desse trabalho, Santos não só questionou a sociedade brasileira e a história oficial, como também encontrou meios de levar essas inquietações para leitores adultos e, sobretudo, iniciantes.
De acordo com o professor de literatura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro da Comissão Editorial do Portal Literafro, Eduardo de Assis Duarte, "ele conseguiu botar a mão na ferida, fazer críticas fortes e sarcásticas e ainda traduzir isso ao alcance infantil e juvenil".
Escritor da biografia de Zumbi dos Palmares
Um dos grandes exemplos dessa literatura questionadora produzida por Santos, lembra o professor, é a biografia de Zumbi dos Palmares, publicada em 1985 pela Editora Moderna.
A obra que narra a história do líder do Quilombo dos Palmares se tornou um clássico, ganhando novas edições posteriormente.
Não é aquela história do Brasil sisuda. Essa biografia antecipa todas as outras que vieram depois, e é voltada para o público de 14, 15, 16 anos.
Eduardo de Assis Duarte, professor da UFMG
O professor diz que Rufino dos Santos foi extraordinário em criar construções ficcionais a partir de elementos históricos. Isso pode ser visto, por exemplo, em 'Claros sussurros de celestes ventos' (2012), que traz Lima Barreto e Cruz e Sousa como personagens, e 'Crônica de indomáveis delírios' (1991), no qual o autor imagina que Napoleão Bonaparte desembarca em Recife, em 1817.
Santos recebeu diferentes reconhecimentos ao longo de sua carreira, entre eles o Prêmio Jabuti em 1979 e 2008, o Prêmio Orígenes Lessa, em 2000, e o Prêmio Literário Nacional Pen Clube do Brasil, em 2014. Também chegou a ser indicado para o Prêmio Hans Christian Andersen, o mais alto na área de literatura infantojuvenil em 2004, 2006 e 2014.
Censurado pela ditadura
Antes de se aproximar da literatura como escritor, Joel Rufino dos Santos cursou história na antiga Faculdade Nacional de Filosofia. Ali, começou a dar aulas no cursinho pré-vestibular do grêmio estudantil até ser convidado para trabalhar como assistente do historiador Nelson Werneck Sodré, no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb).
Junto com Sodré, Mauricio Martins de Mello, Pedro de Alcântara Figueira, Pedro Celso Uchoa Cavalcanti Neto e Rubem César Fernandes, Santos se tornou um dos autores do polêmico 'História Nova do Brasil', lançado em 1963. A obra criticava o ensino de história tradicional que estava nos manuais escolares utilizados no país e propunha uma inovação no seu conteúdo.
Entendido como uma espécie de manual para promover uma reforma de base no ensino da história no país, o livro foi produzido em parceria com o Ministério da Educação e Cultura da época e foi idealizado como uma coleção de dez títulos, mas só cinco foram publicados até 1964.
Com o golpe militar naquele ano, os livros foram recolhidos das escolas, queimados e proibidos de serem adotados. Seus autores passaram a ser perseguidos e Santos foi forçado a procurar exílio na Bolívia e no Chile, o que o impediu de acompanhar o nascimento do filho Nelson, nome dado em em homenagem ao professor Nelson Sodré.
De volta ao país em 1965, o intelectual precisou viver na semiclandestinidade, retomou a vida, mas usando uma identidade falsa. Vivendo como Pedro Ivo dos Santos, foi preso três vezes.
A mais longa das detenções foi em dezembro de 1972, quando permaneceu no presídio do Hipódromo, em São Paulo, por um ano e meio, em razão da militância na Ação Libertadora Nacional (ALN). As cartas que escreveu para o filho nessa época acabaram se tornando o livro 'Quando eu voltei, eu tive uma grata surpresa' (2000).
Luta contra o racismo
Somente após a Anistia, em 1979, o escritor conseguiu retomar sua vida profissional. Foi integrado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde passou a lecionar na Escola de Comunicação e na Faculdade de Letras.
Como gestor público, foi presidente da Fundação Palmares e diretor do Museu Histórico da cidade do Rio de Janeiro. Seu último trabalho foi como Diretor-geral de Comunicação e Difusão do Conhecimento no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ).
Nessa época, promoveu ações que buscavam aproximar a instituição e a comunidade. Entre elas estavam a encenação de um novo julgamento para Tiradentes, no qual ele é "desenforcado", e um Baile Charme no complexo judiciário.
Ainda atuando no TJ-RJ, precisou usar a carteira de diretor de Comunicação para impedir o linchamento de um rapaz negro em Copacabana. A situação era assistida por um policial, que nada fazia. "Joel tentou intervir, mas o guarda riu dele. Ele teve de mostrar a carteira para que o policial agisse", relata o professor Eduardo de Assis Duarte.
Dias depois, em 4 de setembro de 2015, Santos morreu no Rio de Janeiro devido a complicações de uma cirurgia cardíaca.
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