'Abaixo a chibata!': Ele iniciou revolta apontando 80 canhões para o RJ
João Cândido, o Almirante Negro, liderou uma revolta em 1910 contra a Marinha. O acontecimento é conhecido como a Revolta da Chibata.
No dia 21 de novembro daquele ano, 2.379 marinheiros se rebelaram contra as chibatadas dadas por superiores como castigo. Cândido se tornou um dos personagens mais respeitados da história brasileira.
Quem foi João Cândido?
O marinheiro João Cândido Felisberto nasceu em 24 de junho de 1880 em Encruzilhada, no Rio Grande do Sul, a 170 km de Porto Alegre, em uma família ex-escravizada. Aos 14 anos, entrou na Marinha brasileira.
Oficialmente, as chibatadas foram proibidas em 1890 na Marinha do Brasil, mas o castigo era frequentemente testemunhado por Cândido. Revoltado, ele liderou a tomada de quatro navios de guerra na Baía da Guanabara contra os abusos ilegais.
O grupo reivindicava o fim dos castigos físicos, redução da jornada de trabalho, anistia para os revoltosos e melhores condições de trabalho. Ou haveria guerra.
Cerca de 80 canhões foram apontados para o Rio de Janeiro. Um tiro de advertência atingiu um cortiço e matou duas crianças. O clima era de tensão.
"Não podíamos admitir que na Marinha do Brasil um homem ainda tirasse a camisa para ser chicoteado por outro homem", João Cândido, em entrevista ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, março de 1968.
Os marinheiros foram apoiados pela população e ganharam destaque na imprensa. Afinal, era uma rara revolta na história das Marinhas no mundo. As notícias contagiaram soldados e marujos no Brasil. Durante cinco dias, a cidade e o país pararam para ver a revolta liderada por Cândido.
Viva a liberdade!
Abaixo a chibata!", frases de gritos e cartazes na Revolta da Chibata
João Cândido: o líder
Antes da revolta, o Almirante Negro navegou pela Europa, América e África. Era experiente, sabia operar o canhão e conhecia os instrumentos a bordo e o mar como ninguém.
Em 1909, após voltar da disputa entre Brasil e Bolívia pelo território do Acre, aprendeu a navegar o navio Minas Gerais na Inglaterra. O encouraçado fabricado pelos ingleses teria uma longa presença na vida de Cândido.
O estopim da Revolta da Chibata
De volta ao Brasil, Cândido encontrou uma Marinha que ainda praticava abusos, como as chicotadas. Sem sucesso, tentou negociar o fim do castigo com o então presidente Nilo Peçanha.
A prática já era incomum no mundo - e incomodava ainda mais em um país após duas décadas da abolição da escravatura.
Cândido se revoltou quando o comandante João Batista das Neves ordenou 250 chibatadas no marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes. Foi o estopim.
As carnes de um servidor da pátria só serão cortadas pelas armas dos inimigos, mas nunca pela chibata de seus irmãos", João Cândido em depoimento ao jornal Correio da Manhã em 1910.
A vitória de João Cândido
O novo presidente, Hermes da Fonseca foi intimidado pela repercussão e pela oposição. Os navios Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro continuavam com os canhões apontados para a capital.
Fonseca se comprometeu a acatar os pedidos dos marinheiros, como a anistia e o fim das chibatas. A revolta foi encerrada.
O contragolpe
Nos dias seguintes, no entanto, veio o contragolpe de Fonseca. A Marinha expulsou 1.216 marinheiros, prendeu 600, enviou 105 para trabalhos forçados na Amazônia, onde 14 foram fuzilados durante a viagem.
João Cândido foi preso e enviado para o presídio em Ilha das Cobras (RJ), onde dividiu uma solitária com mais 17 revoltosos. Apenas o Almirante Negro e um companheiro, João Avelino Lira, sobreviveram após dias sem água e comida, extremo calor e péssimas condições de higiene.
A redescoberta de João Cândido
Após ser expulso da Marinha e absolvido, o Almirante se tornou vendedor de peixes no Rio de Janeiro e foi redescoberto pelo repórter Edmar Morel (foto), do jornal O Globo, em 1937.
Cândido estava mais pobre, mas dali em diante iria se tornar um símbolo do antirracismo.
Mais de cem anos depois da Revolta da Chibata, a instituição ainda condena a revolta e a chama de "Revolta dos Marinheiros". Em novembro de 2021, a Marinha se opôs a uma votação no Senado para reconhecer João Cândido como Herói da Pátria e afirmou que o Almirante Negro não cometeu "ato humanitário".
Quanto mais a Marinha tentava impedir João Cândido de ser considerado um herói, mais crescia a importância do líder.
A anistia, ou seja, o perdão oficial dado pelo Estado brasileiro, só foi concedido para Cândido em 2008 no Senado, mas sem direito à indenização póstuma. Mesmo com resistência, o Almirante Negro foi considerado Herói da Pátria por Brasília em 2021 e continua a inspirar a luta contra a opressão e a luta antirracista no Brasil.
"Para todos os descendentes de João Cândido Felisberto, além do fato histórico da Revolta da Chibata, é importante resgatar sua figura humana e, junto, resgatar a autoestima do povo negro", João Cândido de Oliveira Neto, sobrinho-neto de João Cândido, em audiência no Senado em 2008
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