Durante seca no sertão, água do banho tratada em casa salva família em AL
Durante a década de 1970, famílias inteiras deixaram o sertão nordestino rumo à região Sudeste, fugindo da seca e da fome. O estado de São Paulo era um dos destinos preferidos para quem buscava uma melhor oportunidade de vida.
Em 2017, a agricultora Aline Matias, de 25 anos, e o seu filho de 9 anos, que tem autismo, fizeram o caminho contrário. Saíram da cidade de Salto, no interior de São Paulo, com destino à comunidade rural de Retiro, no município de Inhapi, no Sertão de Alagoas.
Mais do que uma mudança de endereço, a viagem era um recomeço, o início de uma nova história. Aline buscou na comunidade, na zona rural do município de Inhapi, um novo lar para viver com o filho após ter vivido um relacionamento abusivo.
Com o acesso a soluções para guardar água e aumentar a produção de alimentos, mãe e filho construíram um lar de paz no sertão, com alimento na mesa e água no copo. Essas alternativas foram necessárias para que os dois pudessem se adaptar à vida na região, onde as chuvas se concentram em apenas quatro meses do ano e, nos demais, ocorre a estiagem.
Cisterna e reúso de água
Uma cisterna de 16 mil litros recebida do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais e Pescadoras de Alagoas (MMTRP/AL), organização que apoia a emancipação feminina no local, ajudou Aline a armazenar água da chuva para matar a sede, cozinhar e escovar os dentes. No entanto, no período de longa estiagem, a água não chegava para o uso doméstico e ainda irrigar plantação de alimentos.
Com o sistema de reúso de água cinza essa realidade começou a mudar. Essa tecnologia capta a água descartada do banheiro, da pia de lavar louça e do tanque de lavar roupa, elimina o resíduo e a deixa em condições para ser utilizada na irrigação de cultivos. Essa tecnologia foi instalada pela ActionAid, ONG internacional que trabalha por justiça social e pelo fim da pobreza.
O especialista em Justiça Climática na ActionAid, Júnior Aleixo, explica que "com a tecnologia do reúso, as águas das áreas domésticas passam por um sistema que vai de uma caixa de gordura para um filtro com carvão, areia, pedra e brita, onde é filtrada e utilizada para irrigação do plantio de alimentos, além da criação de animais".
O reaproveitamento desta água traz dois impactos positivos: evita a poluição causada pelo descarte da água com resíduo e o desperdício deste bem tão precioso para a região. Nas semanas em que lava muita roupa, Aline consegue aproveitar 200 litros de água.
Ela conta que após conquistar o sistema suas plantas ficaram mais viçosas e fortes muito rápido. "Mudou muito, porque elas eram pequenininhas e cresceram rápido. Tem uma pinheira que já deu pinha pequenininha. Tenho macaxeira ao redor [do tanque] que já estão grandes. Tudo que eu colho aqui vai para a panela."
Mais segurança alimentar
Júnior Aleixo afirma que o sistema tem impacto direto na segurança alimentar dos agricultores porque água e comida estão relacionadas no Semiárido. "O sistema aumenta a disponibilidade de água para irrigação do plantio de alimentos dos quintais agroecológicos e para a criação de animais como porcos, galinhas e cabras", diz.
A horta de Aline é colorida. Tem couve-flor, pimentão, tomate, cebolinha e coentro, pimenta de cheiro, além de frutas como acerola, mamão, pinha, goiaba, caju, entre outras. Tem ainda um tipo de feijão bastante apreciado no Sertão, e licuri, um coquinho rico em nutrientes, cujo leite é usado para umedecer o cuscuz, iguaria típica da região. No canteiro medicinal, ela cultiva capim-santo, boldo, capim-eucalipto, hortelã, arruda, moringa.
Na sua nova vida, Aline encontrou apoio no Grupo de Mulheres Retiro Com Deus somos Tudo, espaço onde, segundo ela, foi possível ter acesso a outras políticas públicas. Com o apoio do grupo, conseguiu o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para o filho. Podem ter acesso a essa renda idosos com 65 anos, que possuam renda inferior a um quarto de um salário mínimo, e pessoas com deficiência.
Aprendizados do sertão
Para completar a renda, Aline produz e comercializa peças em artesanato. Ela decora sandálias. Além da produção de alimentos e artesanato, a agricultora passou a integrar o Conselho Municipal de Assistência Social, lugar onde ela avalia que aprendeu coisas novas e elevou a autoestima.
"Eu não pensava que poderia sair de casa, ir para reuniões, porque antes eu vivia só em casa com ele [o filho]. Agora, eu já saio, não tenho vergonha de conversar com as pessoas."
É neste Sertão que muita gente só conhece pelas imagens de chão rachado, do gado morto na estrada, onde Aline e o filho encontraram casa, água, comida e paz, que a agricultora planeja para o futuro.
"Eu quero poder plantar mais, poder produzir para levar para alguma feirinha. Realizar entregas para o Pnae [Programa Nacional de Alimentação Escola]. Quero adquirir mais experiência e mais aprendizagem."
*
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