Topo

Ciclone no RS, onda de calor: caos climático causa ansiedade em crianças

Ciclone extratropical na costa do Brasil - Reprodução / Wikimedia Commons / Nesdis/Noaa
Ciclone extratropical na costa do Brasil Imagem: Reprodução / Wikimedia Commons / Nesdis/Noaa

Carlos Minuano

Colaboração para Ecoa, no Rio de Janeiro

13/07/2023 06h00

As mudanças climáticas representam hoje uma das maiores ameaças para o planeta. Hoje é fácil encontrar notícias de tempestades mais fortes no Brasil enquanto a Europa bate recorde de temperatura com a onda de calor no continente.

E a preocupação com o futuro da humanidade, que há tempos tira o sono de cientistas e ambientalistas, está afetando emocionalmente parte da população. O temor já até ganhou nome: ecoansiedade.

Em um levantamento recente da APA (sigla em inglês para Associação Americana de Psicologia), 68% das pessoas entrevistadas afirmaram sentir ansiedade relacionada com a crise ambiental.

O que é ecoansiedade?

O estudo apontou que a exposição constante sobre temas como aquecimento global e eventos climáticos extremos podem mesmo afetar a saúde mental, gerando ansiedade e depressão, especialmente em pessoas mais jovens.

Em inglês, a "ecoansiedade" foi definida pela APA como "medo crônico da catástrofe ambiental" e a palavra já foi incorporada no dicionário de Oxford. Mas, vale explicar que não se trata de uma doença mental.

Segundo o pediatra e sanitarista Daniel Becker, essa condição pode inclusive fazer bem, tanto para o indivíduo como para o planeta, quando for motor para atitudes positivas. "Existem várias formas de reagir a essa iminência de uma crise climática."

A reação da maioria é negar, em geral porque desconhece o tema, afirma o médico. Ele diz que grande parte da população que se depara com a notícia de algum evento climático extremo, como uma chuva que destrói uma cidade inteira, não relaciona o fato com a questão da crise ambiental. "Quem entende o que está acontecendo pode se sentir ansioso."

Há dois tipos de ansiedade: uma leva a tomar remédios, a outra pode ser um motor de atitudes positivas.

Daniel Becker, pediatra e sanitarista

Greta Thunberg e outros jovens ativistas do clima marcham durante uma greve de estudantes de Fridays for Future em Milão - Miguel Medina/AFP - Miguel Medina/AFP
Greta Thunberg e outros jovens ativistas do clima marcham durante uma greve de estudantes de Fridays for Future em Milão
Imagem: Miguel Medina/AFP

Medo pode ser transformado em ação

O especialista sublinha que a ansiedade causada por questões ecológicas pode ser transformada em ação. Só que para essas mudanças fazerem alguma diferença concreta no mundo é necessário uma atuação coletiva.

"Precisamos procurar pessoas que pensam como nós, interessadas em formar comunidades que possam trazer impacto positivo no planeta e ajudar a mitigar a crise climática", sugere Becker.

Esse trabalho consiste em promover mudanças de atitude em vários níveis, detalha o médico. Na esfera individual, ele cita como exemplo lidar melhor com os próprios resíduos, comprar menos, reduzir o uso individual de automóvel.

Ação coletiva é o melhor caminho

No plano coletivo, Becker lembra como o ativismo pode mirar efeitos sobre políticas públicas que apontam na direção de temas urgentes. Sustentabilidade, mudanças de padrão energético, repressão a crimes ambientais, como desmatamento e garimpo ilegais são alguns deles.

Ele observa que, em ambos os casos, isso pode ser feito em um nível mais local, no bairro onde a pessoa mora, junto com amigos e familiares em cidades diferentes. Ou numa escala maior, se associando às ONGs que atuam no campo ambiental, nacionais ou globais.

Mas, o médico alerta que se o indivíduo estiver adoecendo emocionalmente por essas questões, deve buscar ajuda.

Procurar uma terapia, meditação, ioga, são formas de lidar com a ansiedade que podem até ajudar a atuar melhor no coletivo.

Daniel Becker, pediatra e sanitarista

'Questão climática foi elitizada'

Em favelas e periferias, tem muita gente que há tempos já percebeu que a melhor forma de combater a ecoansiedade - e tantos outros perrengues - é trabalhar coletivamente por um mundo melhor.

É o caso da ativista climática Gabriela Alves, 25 anos, cofundadora e diretora de participação social do Instituto Perifa Sustentável. Junto com outros jovens, ela decidiu arregaçar as mangas e botar a mão na massa.

Jovens indígenas estiveram à frente de manifestação por justiça climática em Glasgow, em 2021 - Felipe Werneck/Observatório do Clima - Felipe Werneck/Observatório do Clima
Jovens indígenas estiveram à frente de manifestação pelo clima em Glasgow, em 2021
Imagem: Felipe Werneck/Observatório do Clima

"Nasceu como um movimento, mas hoje é um instituto", diz. O objetivo, segundo ela, é mobilizar uma agenda climática que faça sentido para a juventude das comunidades periféricas.

Ela conta que o instituto trabalha com várias iniciativas, como ações efetivas em territórios, projetos de 'educomunicação' (educação através dos meios de comunicação) e de formação para preparar jovens periféricos para o debate político.

Moradora da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, Gabriela defende que o tema da ansiedade seja discutido considerando as diferenças de classes sociais. Ela explica que, embora a ansiedade relacionada às mudanças climáticas possa atingir a todos, as pessoas na periferia sentem a avalanche de informações sobre isso de uma maneira bem diversa de alguém que não está lá.

A ecoansiedade' já é sentida há muito mais tempo por quem mora, por exemplo, em casas construídas na beira de um córrego ou em áreas com risco de deslizamento.

Gabriela Alves, ativista

Gabriela observa que muitos ainda associam a crise climática apenas com a extinção do urso polar e o derretimento de geleiras na Antártida. "Isso traz uma noção de um problema longínquo, mas que na verdade já é uma realidade para muitas comunidades em centros urbanos."

Para a ativista, há uma elitização do debate sobre clima e meio ambiente. "Em geral só um público participa da discussão, e as periferias acabam não se sentindo pertencentes."

Crianças e jovens são mais afetados

Cerca de 40 milhões de crianças e adolescentes estão expostos a riscos ambientais no mundo. No Brasil, 73% das escolas públicas do país estão em áreas de risco hídrico, geológico e de vulnerabilidade social.

Os dados de levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU) foram divulgados durante uma mesa sobre 'ecoansiedade' na segunda edição do Festival LED - Luz na Educação, que aconteceu em junho no Rio de Janeiro.

A conversa teve a participação de Daniel Becker e de Gabriela Alves, e foi mediada pela jornalista Ana Paula Santos.

Becker relatou ter percebido em seu consultório o impacto das questões ambientais em crianças.

Já chegaram algumas com oito anos e nove anos decididas a se tornarem veganas porque não querem maltratar animais, mas também preocupadas com o futuro climático.

Daniel Becker, pediatra e sanitarista

Para o pediatra, trata-se de um indicativo claro de que o assunto precisa ser abordado dentro das salas de aula. "Os gestores precisam ter mais noção da importância da temática ambiental na educação", defende o pediatra. Para ele, também é importante que exista uma capacitação sobre esse tema em escolas públicas e particulares.

(O jornalista viajou a convite da Globo)

*

Um fazendeiro excêntrico cria um safári africano no Brasil. Uma cidade famosa por seus... caixões. Em 'OESTE', nova série em vídeos do UOL, você descobre estas e outras histórias inacreditáveis do interior do país. Assista:

Siga Ecoa nas redes sociais e conheça mais histórias que inspiram e transformam o mundo:
https://www.instagram.com/ecoa_uol/

https://twitter.com/ecoa_uol