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Lar de 30 mil mortos, cemitério vira parque inusitado em Belém: 'ecogótico'

Bianca Borges

Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP)

13/07/2023 06h00

Você já pensou em passear e passar seus momentos de folga curtindo um cemitério? Entre os mais de quatrocentos túmulos e mausoléus do Cemitério Nossa Senhora da Soledade, da cidade de Belém (PA), que antes guardavam histórias desconhecidas da maioria da população e que pareciam abandonados e entregues ao esquecimento, agora há árvores bem cuidadas e visitantes curiosos que circulam entre as esculturas de mármore para observar a arquitetura mortuária importada da Europa e desvendar suas memórias.

O local, que foi projetado por um arquiteto francês no século 19, agora abriga, além de capela, velário, mausoléus e sepulturas, uma área expositiva com uma mostra permanente sobre sua história.

Inaugurado em 1850, o cemitério Parque da Soledade foi desativado para sepultamentos trinta anos depois. Em meados da década 1960 foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio arquitetônico, urbanístico e paisagístico. Foi o primeiro tombamento de um cemitério no país, justificado pela sua importância arqueológica e etnográfica, contemplando seu conjunto urbano paisagístico.

Agora, o local que chegou a receber mais de trinta mil sepultamentos ao longo de suas três décadas de atividades e estava fechado para obras de restauro e conservação desde 2021, reabriu seus portões como o primeiro Parque Cemitério Museu do Brasil.

Após minuciosa restauração, o antigo cemitério voltou a receber público por ocasião do aniversário de 407 anos da capital paraense, no dia 12 de janeiro deste ano, de cara nova e com uma proposta de uso urbano que não tinha até então. As obras, no entanto, ainda não terminaram e devem ser concluídas até o fim de 2024.

O aspecto fúnebre que tinha desde a sua construção - em meio à epidemia de febre amarela que assolava o país - ganhou outros ares e também vida, com os visitantes que querem aprender sobre a arquitetura daquela antiga Belém ou apenas buscam uma pausa para se refrescar neste ponto cravado no coração da capital paraense.

Cemitério - Divulgação/Ascom/ Secult-PA - Divulgação/Ascom/ Secult-PA
Imagem: Divulgação/Ascom/ Secult-PA

As várias funções de um cemitério

A reabertura do cemitério da Soledade, com a proposta de servir como opção de espaço público cultural, servindo à contemplação do patrimônio arquitetônico e de resgate histórico, ocorre em um momento em que são discutidos os usos da cidade, em diversos pontos do país.

O questionamento é levantado tanto por pesquisadores urbanísticos, acadêmicos e pelos mais diversos grupos sociais sobre o direito de acesso ao espaço urbano. Em outros pontos do mundo, há cemitérios igualmente históricos que se transformaram em museus a céu aberto com forte apelo turístico, como o da Recoleta, em Buenos Aires, o cemitério do Père-Lachaise, em Paris, entre outros.

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Cemitério Nossa Senhora da Soledade vira parque urbano em Belém
Imagem: Divulgação

Na época de sua construção, o equipamento de mais 76 mil metros quadrados foi um marco da expansão urbana na cidade. A área que o abrigava não era considerada central, como é atualmente, era uma zona rural de Belém, e que passou a ser ocupada a partir de então, conforme explica a mestre em antropologia, com ênfase em arqueologia, Sabrina Campos Costa, da Universidade Federal do Pará (UFPA).

"O Soledade não atendeu apenas a uma necessidade da época, como trouxe também um aspecto de desenvolvimento urbano. Hoje, o Parque Cemitério é um equipamento muito importante não só para o estudo da arquitetura mortuária de Belém, mas também como área pública, além de representar o cuidado que se deve ter com a nossa história", afirma a acadêmica que é técnica em gestão cultural da Secretaria de Estado de Cultura do Pará (Secult/PA), órgão que coordenou a iniciativa, realizada em parceria com a prefeitura de Belém.

Educação patrimonial

Cemitério - Divulgação/Ascom/ Secult-PA - Divulgação/Ascom/ Secult-PA
O local foi projetado por um arquiteto francês no século 19 e tombado pelo Iphan da década de 1960
Imagem: Divulgação/Ascom/ Secult-PA

Concebido pelo arquiteto Paulo Chaves (1946-2021), nome importante no cenário local, o projeto de restauração ficou sob a responsabilidade do Laboratório de Conservação, Restauração e Reabilitação da UFPA, em uma cooperação técnica financiada pela secretaria e em parceria com a prefeitura da capital.

Durante as obras, atividades [de educação patrimonial] foram realizadas com os trabalhadores, para que eles pudessem conhecer mais sobre o espaço em que estavam atuando. Após a abertura para a população geral, as iniciativas tiveram continuidade com os visitantes e no entorno do local. Sabrina Campos Costa, da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Cemitério - Divulgação/Ascom/ Secult-PA - Divulgação/Ascom/ Secult-PA
O cemitério tem agora uma área com uma mostra permanente sobre a sua história e importância
Imagem: Divulgação/Ascom/ Secult-PA

O Parque Cemitério da Soledade está localizado na Avenida Serzedelo Corrêa, 514, no bairro Batista Campos. As visitações ocorrem de quinta a segunda-feira, das 9h às 17h.

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