Ele largou mercado dos caixões por sossego e amizade com tucano 'Magali'
Na tranquila Cabrália Paulista, no interior de São Paulo, o funileiro aposentado Ronaldo Macieira, 70, criou uma alça reciclável para segurar caixões. A ideia não foi à toa. A cidade é conhecida como a capital nacional do caixão, onde fabricantes de urnas funerárias empregam a maioria dos 4 mil trabalhadores locais.
A alça é fixada em suportes laterais e pode ser reutilizada ou reciclada após o enterro. O objetivo é evitar o descarte do metal e facilitar um desafio logístico. "Eu desenvolvi essa alça pensando até nos fabricantes: se eles colocam 317 [caixões] em uma carreta. Sem a alça, cabe 30, 40 a mais", diz Ronaldo.
Os fabricantes de Cabrália também estão sob exigência global por mais sustentabilidade. Pelo mundo, foram inventados caixões biodegradáveis, reutilização de caixão ou enterros onde o corpo vai diretamente na terra. O objetivo é diminuir o volume de detritos gerados durante os rituais fúnebres.
Ronaldo aproveitou a mudança no mercado para lançar sua inovação: "Eu fiz [as alças] em alumínio. Ficaram maravilhosas. Foram aprovadas [pelas fabricantes], foram usadas e fabricadas muito", diz. Ele desenvolvia e também pintava os modelos. "É um momento de tristeza da família. Você não vai botar ela [na cor] de um amarelo que você vai para o carnaval. Não dá. Tem que ser um [tom] sóbrio", diz.
Um funileiro ambientalista
O funileiro mora na frente de uma das fábricas de caixão da cidade há duas décadas. Hoje, a casa lembra um oásis entre o barulho de caminhões e tratores. Em seu quintal, há árvores frutíferas e pássaros e, em um galpão dos fundos, ferramentas, móveis de metal e sucata usada para os trabalhos.
Hoje, Cabrália é rodeado por eucaliptos. A madeira abastece a indústria madeireira e também é usada na fabricação das urnas funerárias, como são chamados os caixões em termos técnicos.
Esse monocultivo de árvores é nocivo ao meio ambiente, dizem especialistas. Além de não serem originárias do Brasil, o eucalipto e o pinus, usados em caixões, são plantados em áreas antes ocupadas pela fauna e pela flora nativas, além de agricultura.
Daqui a pouco vamos ter que fazer cursinho de lagarta para aprender a comer folha de eucalipto. Ronaldo Macieira
Ronaldo se aproximou do meio ambiente após revisitar a própria vida. Nascido e crescido em Nova Lima, Minas Gerais, ele lembra-se dos estilingues usados para caçar passarinhos na infância. "Já fui muito ruim. Quando eu era moleque, era terrível", diz. "Quando me lembro disso, me dói".
A vida, porém, deu uma reviravolta. Há quatro anos, no mesmo local onde fabricou as alças reutilizáveis, ele foi chamado por um vizinho para resgatar um passarinho abatido. Na verdade, a ave era bem maior do que um passarinho: era um filhote de tucano.
Ele a batizou como Magali. Assim que se recuperou, a ave voltou à rotina natural da espécie: durante 40 dias, voa durante o período reprodutivo, mas volta para dar um "oi" para o amigo inventor das alças reutilizáveis.
Ela voa por essas fábricas todas e todo mundo conhece ela. Fico com a cabeça ajeitada quando a vejo: sei que tudo que tenho e que gosto tá próximo. Ronaldo Macieira
Segundo Ronaldo, as fabricantes desistiriam de sua invenção pelo custo. No lugar, optaram por opções de plástico. Apesar de dizer não guardar rancor, Ronaldo deseja distância de "qualquer caixão", seja vivo ou morto.
Hoje, ele se alegra por ter tentado ajudar a preservar uma vida e também a auxiliar na morte.
Meu legado pela natureza eu fiz: produzir as alças, que são meu legado, e ter cuidado da Magali. Ronaldo Macieira
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