Mãe das araras perdeu dois filhos enquanto salvava ave da extinção
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A vida da bióloga Neiva Guedes, 60, é cheia de reviravoltas. Nos anos 80, ela mudou o próprio destino a partir de um desejo até arriscado: salvar as araras-azuis no Pantanal.
A missão era perigosa e envolvia solucionar um estrago causado por uma grande quadrilha de tráfico internacional de animais. E ela resolveu combatê-los com uma ideia.
Neiva desenvolveu ninhos artificiais para facilitar a reprodução das araras-azuis. O ninho consiste em uma caixa oca, com um buraco no centro, fixada no tronco de árvores altas. Dentro deste espaço, as araras adultas cuidam dos filhotes até a adolescência.
A invenção imita o ninho das araras, que usam o bico para escavar a cavidade em árvores com troncos mais moles. Mas a situação era urgente: para evitar o pior, era preciso de mais espaço do que as árvores de "miolo mole" disponíveis na natureza.
"A maioria das árvores do Pantanal é de madeira dura. A arara não consegue escavar e fazer o ninho", explica Neiva. Se o resgate demorasse, a arara-azul poderia sumir do Pantanal.
Aves na mira do tráfico internacional
Na década de 1980, traficantes usavam cola para grudar araras nos galhos das árvores. Presa, as aves emitiam sons que atraíam mais araras-azuis, que também eram sequestradas pelo tráfico. "Centenas delas foram capturadas", lembra. Dali em diante, eram forçadas a se tornarem animais domésticos ou tinham as penas arrancadas.
A arara-azul poderia ser mais uma vítima na família das araras. Na época, a ararinha-azul estava à beira da extinção no Brasil e a arara-azul-de-lear também corria risco de desaparecer. Nos anos 1990, a arara-azul-pequena foi confirmada como extinta para sempre. "Eu não queria que o mesmo acontecesse com a arara-azul", diz Neiva.
O ninho artificial dobrou o número de espaços disponíveis para araras se reproduzirem, mas a instalação era complexa. O Pantanal possui áreas permanentemente alagadas e muitas áreas são acessíveis apenas barcos ou em aeronaves pequenas.
Para se deslocar por rios e estradas e instalar os ninhos, Neiva pegava carona a cavalo com pantaneiros, subia na traseira de caminhonetes e fazia amizade com ribeirinhos, indígenas e fazendeiros. Na maioria das vezes, viajava sozinho ou tinha a ajuda voluntária de amigos.
Os ninhos artificiais, porém, deram certo. "Os fazendeiros começaram a me falar", diz Neiva. "Comecei a encontrar [araras] em áreas onde [não mais ocorriam", diz. Com o sucesso, ela fundou o Instituto Arara-Azul e atraiu atenção de patrocinadores e da imprensa.
As improbabilidades
O trabalho de Neiva é parte de um acontecimento inesperado. A família dela amargou luto e dificuldades financeiras quando pai morreu vítima de um AVC. Nessa época, a bióloga tinha 19 anos.
Para trabalhar durante o dia, ela trocou o curso diurno de medicina por biologia, no período noturno. E tinha outra novidade: a mãe estava grávida de oito meses quando ficou viúva. Neiva iria ter uma irmã. "Mas sempre tive muita determinação e foi um desafio", diz.
"Mãe das araras" luta para engravidar
Quando já trabalhava com os ninhos, a bióloga sentiu um cansaço estranho. Tentou subir em uma árvore e não conseguiu. Até que fez um teste e descobriu uma gravidez de cinco meses.
Como trabalhava sozinha, uma outra bióloga foi treinada para ficar no Pantanal. Em um dos treinamentos, Neiva foi infectada por carrapatos e teve uma perda gestacional. Meses depois, quando engravidou pela segunda vez, teve dengue. Mais uma perda, totalizando duas perdas gestacionais.
Você trabalha com biologia e, no meu caso, com a reprodução: você vê vaca com seu filhote, cavalinhos com filhotinhos, araras com filhotinhos, menos eu? Eu era a única que não tinha meu filhote? Neiva Guedes
O amor te dá asas
Além dos ninhos onde crescem, os filhotes recebem um pingente de identificação para serem monitorados por biólogos do instituto. Cada um é batizado com um nome, geralmente escolhido por um patrocinador que faz uma adoção simbólica das aves, que vivem livres.
A arara-azul vive com os pais até os 7 anos, quando atinge a adolescência e se une a colegas da mesma idade. "Nós os chamamos de 'os teens' do Pantanal", explica a bióloga.
Adultas, as aves encontram um namorado ou namorada, se casam e vivem em um relacionamento monogâmico até morrer. O casal vive grudado e os "pombinhos" desenvolvem uma comunicação única com o filhote, que só responde aos próprios pais.
Uma arara-azul vive até 40 anos. "Com certeza, sabendo hoje como é a formação dessas araras na natureza, não tenha dúvida que os traficantes desfizeram vários laços", diz.
O trabalho entrelaçou a vida de araras que, sem Neiva, talvez nunca tivessem se encontrado. O tráfico de animais foi derrotado com a ajuda da polícia, pela pressão de grupos ambientalistas e sua capacidade de destruição desafiada por uma bióloga.
Com o sucesso, ela se tornou conhecida em todo Mato Grosso do Sul. Hoje, biólogos e veterinários sonham em conhecê-la e em serem parte do instituto. Ela também ampliou os próprios laços: teve uma filha, que hoje tem 20 anos.
Hoje também me sinto realizada como mãe. Neiva Guedes
A região de atuação do Instituto Arara-Azul tem a maior população de araras-azuis encontrada na natureza do Brasil, com cerca de 5 mil aves. "O agir para mim é continuar trabalhando, treinando gente jovem a continuar o trabalho, a motivar meninas e mulheres na ciência e acho que isso me faz ter superação", conclui.
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