Acusada de prostituir meninas, ela foi presa por organizar futebol feminino
Em meados de janeiro de 1941, dois comissários de polícia chegaram à rua Gaspar, 45. O endereço abrigava a sede do Primavera Atlético Clube, maior time de futebol feminino do Rio de Janeiro.
A ordem era para prender Carlota Alves de Resende, dirigente do clube.
Dona Carlota, como era conhecida, foi entregue ao terceiro delegado auxiliar sob a acusação de "encaminhar as moças componentes dos teams para os dancings da cidade e para outros destinos", conforme descreveu o jornal A Batalha, em 12 de janeiro de 1941.
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Ela também teve que lidar com o fato de a sua casa e sede dos clubes ser chamada de "antro de perdição".
Dona Carlota ficou presa por apenas 48 horas porque as acusações eram infundadas. Isso, contudo, marcou para sempre a realidade do futebol feminino no Brasil.
Ela organizou ligas e campeonatos femininos
Não se sabe muito sobre a vida pessoal de Dona Carlota. Relatos da época dão conta de que era uma mulher de origem humilde, que nasceu em Pilares, no subúrbio do Rio de Janeiro, e tinha contatos estreitos com dirigentes esportivos.
No final dos anos 1930, ela organizou em sua casa o time feminino de maior evidência na época: o Primavera Atlético Clube.
Ela também chegou a organizar outros clubes, em outros bairros, e como uma dirigente experiente, montou ligas e campeonatos entre os times femininos.
No início dos anos 1940, o Rio de Janeiro tinha 15 equipes competindo entre si, a maioria organizada por ela.
A modalidade estava se tornando tão popular que dois clubes, o Cassino do Realengo e o Sport Club Brasileiro, foram chamados para fazer um jogo preliminar no recém-inaugurado Estádio do Pacaembu, onde jogariam os times masculinos de São Paulo e Flamengo.Foi dona Carlota quem organizou essa viagem.
As críticas machistas que levaram o futebol feminino a ser proibido
Como ainda não era comum ver mulheres jogando futebol, as equipes formadas por Dona Carlota ganharam notoriedade e espaço nas páginas dos jornais esportivos da época. Consequentemente, as jogadoras começaram a ser remuneradas por suas apresentações. Esse foi um dos motivos de indignação da sociedade que levou à proibição do futebol feminino.
O jogo no Pacaembu foi assistido por um público de 65 mil pessoas, segundo a imprensa da época, deu ainda mais visibilidade à prática do futebol feminino, e a modalidade passou a receber fortes críticas.
O jornal A Noite divulgou, uma semana antes da partida no Pacaembu, uma carta endereçada a Getúlio Vargas por um cidadão chamado José Fuzeira, alertando o presidente sobre os perigos que a prática do futebol poderia provocar nas mulheres.
As críticas tinham como base argumentos médicos, que defendiam que o futebol poderia prejudicar a função reprodutora das mulheres. Mas também tentavam desqualificar moralmente a prática da modalidade, associando o futebol à perda da reputação da mulher na sociedade.
Denúncia e prisão
Na época em que Carlota Alves de Resende foi presa no Rio de Janeiro ela estava organizando junto com o empresário argentino Afonso Doce uma excursão do Primavera por diversos países da América Latina.
D. Carlota, a "paredra" do football feminino, protesta a inocência - Está na 'cerca' com todo o team - A "concentração" na Polícia - Do ground para os "dancings" - O "bicho" das jogadoras - Leônidas de saias - Aviso sobre o batom e o rouge (Texto na Página 3)
Chamadas da capa do jornal A Noite de 11 de janeiro de 1941
Segundo o livro 'Deve ou não deve o football invadir o domínio das saias? Histórias do futebol e mulheres no Brasil', de Caroline Almeida, a excursão de jovens jogadoras ao exterior ia ao encontro do projeto político do Estado Novo, pois o futebol era considerado um forte símbolo nacional e "seria uma afronta homens estrangeiros custearem a exibição dos corpos de mulheres brasileiras em outro país".
No entanto, a prisão de Dona Carlota fortaleceu a campanha contra o futebol feminino no Brasil, culminando na sua proibição pelo artigo 54 do Decreto-Lei nº 3.199, publicado em 1941.
A lei decretada pelo então presidente Getúlio Vargas, dizia: "às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza".
O Decreto ficou em vigor até 1979, quando foi extinto pelo Conselho Nacional de Desportos. Durante esse período, surgiram algumas organizações para a prática do futebol feminino, porém foram coibidas pela Justiça, pela polícia ou mesmo criticadas socialmente.
Atualmente, apesar das dificuldades que enfrenta, o futebol feminino no Brasil tem prosperado muito pela força de suas atletas. Apesar de nunca terem ganhado uma Copa do Mundo, as brasileiras entrarão em campo mais uma vez para buscar o título inédito.
A estreia do Brasil na competição está marcada para a próxima segunda, 24, contra o Panamá, às 8h (horário de Brasília) no Hindmarsh Stadium, na Austrália.
A história de jogadoras como Rafaelle,Tamires, Gabi Nunes e Marta só poderão ser escrita na competição porque antes delas vieram mulheres como Dona Carlota que foram fundamentais para incentivar o futebol feminino no Brasil.
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