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Árvores são removidas para entradas de caminhões em 'boom' de prédios em SP

Ipê cor-de-rosa em imóvel na avenida Rebouças, em São Paulo, em 2011; árvore foi derrubada para erguer imóvel - Reprodução
Ipê cor-de-rosa em imóvel na avenida Rebouças, em São Paulo, em 2011; árvore foi derrubada para erguer imóvel Imagem: Reprodução

De Ecoa, em São Paulo (SP)

24/07/2023 06h01

Os moradores de São Paulo estão dando adeus à convivência com determinadas árvores devido à construção de novos prédios. Há espécies retiradas para a entrada de caminhões ou para estandes de venda. Em um dos casos, uma árvore centenária poderá viver sob a sombra de um prédio pela primeira vez, despedindo-se da luz do sol. A despedida é um dos efeitos do plano diretor.

O historiador Ari Meneghini, 64, sempre cruzava com um ipê cor-de-rosa na avenida Rebouças a caminho para o escritório na zona oeste de São Paulo. "Em 2011, eu e minha família ficamos encantados e tiramos uma foto", lembra. A imagem mostra o filho de Ari, então com onze anos. Por volta de 2022, a árvore foi cortada, o imóvel comercial derrubado e um prédio está sendo erguido no lugar. "Tive até dificuldade para identificar o local exato onde ficava a árvore, tamanha mudança", diz.

Onde os pinheiros não têm vez

O corte de árvores tem sido relatado onde os efeitos do plano diretor da capital paulista, de 2014, são mais visíveis, como no bairro de Pinheiros. Segundo dados coletados pelo site Orbi, 4.333 árvores vieram abaixo no bairro, que registrou o maior número de cortes na cidade - equivalente a três derrubadas por dia, em 2022. Entre elas, estava o ipê fotografado por Ari, hoje pai de um menino de 22 anos.

No futuro, a onda de construções deve afetar as árvores mais antigas do município, como a Figueira das Lágrimas, localizada no bairro do Sacomã, zona sul de São Paulo. A prefeitura calcula que ela tenha 240 anos e que, na Guerra do Paraguai (1864 - 1870), era o ponto de partida para soldados vindos do porto de Santos, quando muitos familiares choravam na despedida.

Figueira das Lágrimas (à esq.) em frente a área demolida para nova construção (à dir.) em 2023; pinheiro na calçada poderá ser afetada pela obra - Marcos Candido/UOL - Marcos Candido/UOL
Figueira das Lágrimas (à esq.) em frente a área demolida para nova construção (à dir.) em 2023; pinheiro na calçada poderá ser afetada pela obra
Imagem: Marcos Candido/UOL

A figueira fica no terreno de Yara Caldas, 68, mas é protegida pela prefeitura e não pode ser cortada. Apesar disso, Yara diz que incorporadores já fizeram propostas para comprar o espaço ao redor da árvore. Até agora, ela não aceitou os valores oferecidos, mas pode ver lançamentos entregues na rodovia Anchieta, a cerca de 300 metros da sua propriedade, e escombros de novas construções.

Em frente à Figueira das Lágrimas, uma área está sendo aberta para um novo empreendimento onde havia construções abandonadas. Os funcionários e vizinhos não souberam precisar o destino do local, mas em breve a Figueira das Lágrimas poderá dividir a luz do sol pela primeira vez em mais de duzentos anos de vida.

Yara é favorável às mudanças e aguarda que mais galpões sejam derrubados para darem lugar a novos "prédios lindos", como os recém-entregues ali perto.

A gente tem que ser velho, mas as coisas têm que ser novas. Yara Caldas.

Por que é importante

  • Árvores mais antigas capturam mais CO2 da atmosfera, indica um estudo publicado pela Nature em 2014
  • Menos árvores, menos sombra e sensação térmica maior
  • Entre 2022 e 2023, o mercado imobiliário lançou 74.671 unidades em São Paulo, segundo a Secovi (Sindicato das Empresas de Compra Venda, Imóveis)

Adeus às árvores

O plano diretor paulistano diminuiu a distância mínima para a construção de prédios mais altos em áreas próximas a corredores de ônibus, estações de metrô, trens e pontos de ônibus. Com as mudanças, o número de prédios ultrapassou o de casas pela primeira vez no município, em 2020. Três anos depois, o plano passou por uma revisão e permitiu construções altas em um raio de 700 metros desses locais, o que levará prédios ainda mais para dentro dos bairros.

Avenida Rebouças por volta de 2017 vs 2023 - hoje, um prédio de storage (para guardar objetos) foi erguido no local

O corte, o transplante e a poda de árvores não fazem parte diretamente do pacote de novas regras. O serviço possui uma lei própria, mas as regras foram afrouxadas pelos vereadores nos últimos anos.

Em 2019, a câmara municipal derrubou a obrigatoriedade da análise de técnicos da prefeitura para cortar, transplantar e podar árvores. Na nova regra, bastou somente uma notificação e um laudo feito por engenheiros agrônomos, ambientais ou de biólogos contratados por moradores que apontassem "emergência". Na época, o então vereador Ricardo Nunes (MDB), atual prefeito de São Paulo, foi um dos autores do projeto.

Em 2022, à frente da prefeitura, Nunes sancionou uma nova lei que manteve as mesmas permissões e também autorizou o corte de árvores em locais de construção ou onde elas sejam "fisicamente incontornáveis" para pedestres ou acesso de veículos, em calçadas ou em terrenos particulares, com laudos contratados de maneira particular.

A Secretaria do Verde e Meio Ambiente da cidade de São Paulo afirma que, em 2015, havia 650 mil árvores em São Paulo e que encomendou um novo estudo a ser divulgado até dezembro de 2024 para atualizar esse número.

No primeiro semestre de 2023, 8.430 árvores tiveram corte permitido pela prefeitura e, em contrapartida, 27 mil árvores foram plantadas por exigências de compensação ambiental. Em 2021, porém, houve uma queda no número de árvores plantada, que atingiu 78 mil em 2020 e foi reduzido para 14 mil em 2021, segundo a secretaria.

Achei que nunca iria dizer 'goodbye'

A reportagem de Ecoa recebeu relatos de derrubadas de árvores para criar entradas para caminhões e também esteve em bairros onde elas foram derrubadas para dar lugar a instalações temporárias para operários, como na rua General Irulegui Cunha, no Jardim Independência, zona leste de São Paulo.

Imagem da rua General Irulegui em 2020 e em 2023 (Google Street View)

Nesses casos, quando há um número maior de cortes de árvores, são exigidos obras de compensação, como o replantio do mesmo número de árvores em outro local apropriado, como explica Margareth Uemura, mestre em estruturas ambientais e urbanas especializada em desenho e gestão de território.

Segundo a especialista, daqui para frente é preciso exigir da prefeitura o monitoramento de árvores cortadas, podadas ou transplantadas no município e se haverá ampliação de parques, como previsto no plano.

A solução é fazer o transplante de árvores ou até mesmo a mudança de projetos que vão resultar no corte de mais árvores. Margareth Uemura, mestre em estruturas ambientais e urbanas especializada em desenho e gestão de território.

Rua Cristiano Viana, em Pinheiros, em 2017 e em 2020

Rosanne Brancatelli, ativista ambiental em Pinheiros, afirma que, além de árvores derrubadas nas vias, os novos prédios não possuem quintais. Muitas vezes, esses empreendimentos apresentam jardins que sequer têm contato direto com o solo.

"Um ou outro fez um terraço com jardim, mas não são públicos e não hidratam o solo", diz. "Os prédios tomaram lugar sem áreas verdes, ocupando ao máximo os lotes, da fachada ao fundo".

Reportagem Marcos Candido | Edição Frederico Di Giacomo |

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Errata: este conteúdo foi atualizado
Ao contrário do informado anteriormente, o mercado imobiliário lançou 74.671 unidades em São Paulo entre 2022 e 2023 e, não, entre 2022 e 2032.