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Existe Barbie negra? Colecionadora conta história por trás da boneca

Colecionadora conta a história que está por trás da criação da Barbie negra - Arquivo pessoal
Colecionadora conta a história que está por trás da criação da Barbie negra Imagem: Arquivo pessoal

Laís Seguin

Colaboração para Ecoa

30/07/2023 06h00

Rafaele Breves, 33 anos, é colecionadora de bonecas Barbie negras. Desde criança, o brinquedo da Mattel era o seu favorito, mas sempre estranhou o fato de que nenhum dos exemplares que tinha na época, seja em casa ou nas lojas, se parecia com ela.

"Minha relação com a boneca é de admiração. Mas como ela não era parecida comigo, eu imaginava um mundo para ela, mas não me via nele. Isso me trouxe problemas de autoestima, com meu cabelo e cor da pele, porque meu ideal de beleza era a Barbie", diz.

Todas as Barbies de Rafaele eram brancas, loiras, de cabelo liso e olhos azuis. Bem diferente dela, que é negra, de cabelos cacheados e tem olhos escuros. Isso só mudou quando a criança que vivia na cidade de Tatuí, no interior de São Paulo, já era uma adulta de 27 anos, em 2017.

"Foi no dia 27 de fevereiro, meu aniversário. Eu estava em um shopping, por um acaso entrei em uma loja de brinquedos e vi o que viria a ser minha primeira Barbie negra. Ela tem a pele retinta e o cabelo parecido com o meu, mas fazia sentido comprá-la?", relembra.

Afinal, apesar de ter gostado da boneca e a achado linda, Rafaele não iria brincar com ela e a colocou de volta na prateleira. Dias se passaram até que entrou em outra loja e o mesmo exemplar da Barbie negra estava sendo vendido pela metade do preço.

"Já tinha visto uma boneca igual àquela, mas tinha desistido de levar. Acontece que na mesma loja, encontrei outra Barbie negra, com a pele em tom mais claro e cabelo crespo. Era como se elas estivessem lá me esperando, então acabei ficando com as duas", conta.

3 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
As primeiras Barbies com cabelo representativo dos anos 1960 surgiram apenas em 2017, na linha fashionista
Imagem: Arquivo pessoal

Escondidas pelo racismo

Ter adquirido duas Barbies negras no mesmo dia fez com que um universo de possibilidades se abrisse para Rafaele. Quantas outras bonecas parecidas existiam e não conhecia? Ela passou a pesquisar e percebeu que precisava passar a informação adiante.

"Descobri as Barbies negras por grupos no Facebook, com colecionadores adultos de Barbies, e não por buscas no Google. Elas já existiam quando eu era criança, mas o racismo estrutural as escondeu e não chegaram a ser comercializadas no Brasil", conta.

Jornalista e gestora pública especializada em cultura, educação e relações étnico-raciais pela Universidade de São Paulo (USP), Rafaele Breves se tornou uma das principais porta-vozes do Brasil sobre diversidade nos brinquedos, com quase 15 mil seguidores nas redes sociais.

No perfil 'Minhas Bonecas Negras' ela se dedica a contar a história dessas bonecas, que ficou silenciada por décadas. A Ecoa, Rafaele explica que aquelas duas primeiras Barbies que comprou em 2017 fizeram parte de uma linha de 2016 da Mattel, empresa fundada em 1945.

Ou seja, demorou 72 anos para que a fabricante fizesse uma linha com seis bonecas negras que tinham tons de pele diferentes. A diversidade tinha o intuito de aumentar a venda porque, na ocasião, o lucro da empresa havia caído em 60%.

A minha coleção é meu desejo de representatividade para o mundo. Sei que ela é muito maior que minhas prateleiras e meu desejo é ampliá-la ainda mais, para que outras pessoas possam se ver.

Rafaele Breves

Conheça, a seguir, a história de algumas das 120 bonecas da coleção.

Primeira Barbie negra (1979)

Barbie negra - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Foi criada pela designer Kitty Black Perkins, uma mulher negra do estado da Carolina do Sul. Apesar do tom da pele puxado para o marrom, a boneca apresenta traços de uma branca, como nariz e lábios finos.

Era um período turbulento na história dos Estados Unidos, com o Movimento dos Direitos Civis dos Negros e um pedido para que a fábrica de brinquedos trouxesse bonecas mais parecidas com parte do seu povo.

A inspiração para o modelo foram Diana Ross e The Supremes. Na caixa do brinquedo, há uma mensagem: "Ela é negra! Ela é linda! Ela é dinamite".

Linha 'Dolls of the world'

Barbie negra - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

A primeira Barbie negra a integrar a linha 'Bonecas do Mundo' (tradução livre), originalmente criada em 1980 com o intuito de representar a cultura de diferentes países, foi a da Nigéria, uma década depois.

Embora tenha o cabelo preto e mais volumoso, o rosto dela segue o mesmo molde de uma versão branca, com os mesmos traços. Em seguida vieram a Jamaica (1991), que tem o rosto igual à anterior, Quênia (1994), primeira a ter traços africanos, Gana (1996), África do Sul (2002) e Brasil (2012).

Empoderamento e resistência

Barbie negra - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Barbie negra com vitiligo foi criada em 2020
Imagem: Arquivo pessoal

O movimento Black Power, dos anos 1960, tornou os fios volumosos da população negra em formato arredondado, como um símbolo de luta, representação e valorização da cultura.

Mas na Mattel, as primeiras Barbies com cabelo representativo desse momento histórico surgiram apenas em 2017, na linha fashionista, destinada ao público infantil, as bonecas com tranças.

Além dessas, existe a primeira Barbie negra cadeirante/fashionista 133 (2018), Barbie negra com prótese mecânica/fashionista 146 (2019) e a Barbie negra com vitiligo/fashionista 135 (2020).

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