'Tá com medo de quê?' Rap dos Racionais levou menino até Harvard e Netflix
André Menezes nasceu na periferia de Guarulhos, na Grande São Paulo, e enfrentou, na infância e adolescência, todas as dificuldades que o racismo e sua condição social lhe impuseram. Teve que começar a trabalhar aos 14 anos na feira livre e mudar os estudos para a noite, o negócio dos seus pais deu para trás e ele ainda perdeu a mãe para o câncer.
Mas foi dos versos das músicas dos Racionais MC's que André diz ter tirado força, coragem e motivação para não desistir. Foi nas letras do rap que ele tomou consciência de quem era e de onde poderia chegar se não desistisse. E ele seguiu.
Ingressou e concluiu uma graduação na universidade, com o dinheiro das laranjas da feira pagou um curso de inglês, enfrentou um longo processo seletivo e fez um mestrado na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e hoje ocupa um cargo de gerência na Netflix, maior operadora de streaming do mundo.
"Quando o relógio me despertava às 4h para trabalhar, eu ouvia os versos dos Racionais que diziam: 'Vamo acordar vamo acordar, o tempo não cansa, cabeça erguida, olhar sincero, tá com medo de quê? Nunca foi fácil. Junta seus pedaços e desce pra arena, mas lembre-se, nada como um dia após o outro dia.'" (trecho da música 'Sou + Você'), conta ele em entrevista a Ecoa.
Sem exemplos e boas referências
André viu a adolescência passar enquanto vendia laranjas e dedicava as noites aos estudos, mas olhava em volta e percebia que tinha que seguir.
"Eu pensei em desistir da escola várias vezes, mas, nessa época, eu já estava vendo alguns amigos serem presos e sabia que era a educação que ia me salvar disso."
Quando menino, sentia falta de exemplos de sucesso de pessoas com a mesma cor de sua pele. Ele conta que começou a tomar consciência de questões raciais na época da escola.
As únicas referências que eu tinha de pessoas pretas eram negativas, de bandidos, por conta desse sistema em que a gente vive.
André Menezes
O ingresso em uma universidade era algo tão distante de sua realidade, que ele nem sabia da existência das universidades federais e também não acreditava ser capaz de passar no vestibular da universidade pública que ele conhecia, que era a USP. Ingressou, então, em uma faculdade privada, no curso de turismo, e pagou com uma bolsa que conseguiu num estágio em uma agência de viagens.
'Só uma fase'
Quando perdi minha mãe e as coisas ficaram ainda mais difíceis em casa, eu me apeguei de novo aos versos dos Racionais que diziam que o tempo ruim ia passar, que era só uma fase e que o sofrimento alimentaria mais minha coragem (trecho da música 'A Vida É Desafio').
André Menezes
Na agência, conseguiu deixar de ser estagiário e ser efetivado e, posteriormente, mudou de carreira. Migrou da área de turismo para tecnologia da informação (TI) e foi buscar especialização para se dedicar à nova área em um MBA.
Com o passar do tempo, André notou que seus colegas brancos tinham salários melhores em outras empresas. "Qualquer pouco que a gente ganha, acha que é muito. Mas eu vi que era capaz de ganhar mais também." Foi então que se inquietou de novo e decidiu se aprimorar para não ficar para trás.
Mestrado e encontro com Mano Brown
André começou a pesquisar oportunidades fora do país e encontrou um mestrado em artes liberais, com foco em administração, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Foram dois anos de processo seletivo até conseguir ser aceito. Começou os estudos em 2017 e chegou a pegar empréstimos e a dar aulas de inglês para pagar o curso, que foi híbrido, com parte realizada em Boston e parte de maneira remota, no Brasil.
Em 2022, concluiu seus estudos na prestigiada universidade americana e o diploma lhe rendeu um emprego no Nubank como gerente de projetos. Lá ele também fez parte de um grupo de afinidade chamado Nublacks, que buscava promover uma discussão e agregar cultura de conscientização e igualdade para a comunidade negra
Depois do Nubank, André Menezes desembarcou na gigante do streaming Netflix, onde ocupa hoje o cargo de gerente no setor de TI.
André diz que um dos momentos mais marcantes de sua vida foi quando conheceu um dos integrantes dos Racionais.
Tive a oportunidade de encontrar com o Mano Brown, contei a minha trajetória, agradeci pela referência e representatividade. Ele disse que a gente cresce na dificuldade e me lembrou de levar outros nossos comigo. Quando estou descolado da realidade, ainda ouço Racionais para me lembrar de quem sou.
André Menezes
Emancipação da comunidade preta
O pedido de Mano Brown ele atendeu realizando mentorias para devolver para a comunidade preta todo o conhecimento e experiência que adquiriu, com o objetivo de ajudar as pessoas a ingressarem no mercado de trabalho.
As orientações começaram de forma orgânica, com pessoas de seu círculo profissional, e hoje ocorrem até mesmo com seguidores de suas redes sociais que solicitam seus conselhos. "Informação, referência e autoestima foram coisas que me faltaram quando eu era jovem, então hoje busco propagar um pouco disso", diz.
Henrique dos Santos, 26 anos, ocupa o cargo de Customer Excellence Analyst no Nubank, onde conheceu André. "A mentoria que ele fez comigo me ajudou na vida profissional e pessoal. Ele auxiliou na construção da minha confiança, pois sendo preto e vindo da periferia, isso não era fácil para mim", conta ele.
"A história de luta e superação do André me motivou. Aprendi que não posso deixar de acreditar, de batalhar, ir sempre em busca de conhecimento. Ele me incentivou a estudar inglês e a ser mais confiante. Sou grato por essa parceria", conclui Santos.
André já soma 30 "pupilos" que receberam suas orientações sobre carreira. Quem quiser acompanhar sua trajetória e entrar em contato com ele, pode fazer por meio de suas redes sociais.
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