Além da onça: usina eólica surgiu como queridinha, mas tem grandes impactos
Giulia Fontes
Colaboração para Ecoa
16/08/2023 09h16Atualizada em 16/08/2023 10h39
A energia eólica, gerada a partir dos ventos, é considerada uma das alternativas a fontes não renováveis e uma aliada no combate às mudanças climáticas. Os parques eólicos, no entanto, também têm impactos ambientais, como mostra o caso de onças que sofrem com as estruturas — com relatos angustiantes.
Segundo dados da ABEEólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), o Brasil tem 916 parques eólicos em 12 estados, com capacidade instalada de 26 GW de operação. A maior parte fica no Nordeste. O montante equivale a quase 13% da capacidade instalada do Sistema Interligado Nacional, segundo o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).
Veja impactos ambientais provocados pelas usinas eólicas:
Infraestrutura impermeabiliza o solo
As mudanças nas regiões dos parques eólicos já começam antes mesmo de as usinas começarem a funcionar. No período de construção, a abertura de estradas em locais que antes eram inacessíveis provoca impactos para a biodiversidade.
Com a retirada da vegetação e o asfaltamento, por exemplo, os raios solares são mais absorvidos. Também há impermeabilização do solo, o que dificulta o reabastecimento de aquíferos.
Além disso, a nova infraestrutura torna os locais mais acessíveis, facilitando crimes ambientais.
Onças mudam de rota
Reportagem de Ecoa mostrou que onças-pardas que vivem na Área de Proteção Ambiental do Boqueirão da Onça, no norte da Bahia, estão mudando seu padrão de deslocamento por causa das usinas. O mesmo foi documentado para onças-pintadas que vivem na região, que tem quatro complexos eólicos em funcionamento.
Ao se deparar com os complexos e se locomover muito mais para encontrar recursos como água e alimentos, muitas vezes as onças acabam se aproximando mais de propriedades rurais onde há animais domésticos ou criação de bodes e cabras, comum nessas regiões. Assim, acirram-se os conflitos entre produtores e esses felinos, resultando em mortes.
Paulo Marinho, biólogo doutor em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e especialista na conservação de mamíferos na Caatinga
Para evitar a perda de animais do rebanho, alguns produtores acabam colocando armadilhas que matam as onças. A onça-pintada está na lista das espécies "criticamente ameaçadas de extinção" na Caatinga —apenas um estágio antes do completo desaparecimento na vida livre. A parda está "em perigo de extinção" no bioma.
Pássaros batem nas pás
As aves também são impactadas pela presença das turbinas. Muitas são afugentadas pelas torres, mas algumas acabam batendo nas estruturas.
Paula Tavares, mestre em geografia pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), disse ao UOL que tecnologias podem evitar esse tipo de impacto. Pás pintadas de preto, por exemplo, reduzem a morte acidental de pássaros em até 70%. Também é possível instalar radares que detectam a aproximação de bandos de aves, fazendo com que as máquinas sejam desligadas para evitar colisões.
Redução da movimentação nas dunas
Estudos também apontam que os parques eólicos têm influência na movimentação das dunas. A geógrafa Gloria Duran disse ao UOL que, em Camocim (CE), o deslocamento das dunas caiu de 100 metros a cada dois anos para 60 metros em alguns locais.
A construção dos parques eólicos se transformou numa espécie de barreira sobre o campo de dunas.
Gloria Duran
Aterros e estruturas de suporte das torres eólicas também mudam a dinâmica das dunas. A injeção de concreto para instalar as estruturas, por exemplo, faz com que elas acabem sendo fixadas.
Impacto existe, mas é menor do que o de outras atividades, diz associação
Sandro Yamamoto, diretor técnico da ABEEólica, disse a Ecoa que todo projeto eólico passa por rigorosos processos de licenciamento ambiental, além de uma avaliação de questões sociais. Ele reconhece que os parques têm impactos ambientais, mas afirma que os efeitos são muito menores do que os registrados em outras atividades. "O setor eólico tem um grande trabalho de preservação", diz.
Sobre o caso das onças, Yamamoto afirma que muitas áreas que poderiam ser exploradas para a geração de energia eólica não foram aproveitadas justamente por causa do impacto na vida desses animais. Segundo ele, os parques eólicos têm um monitoramento da biodiversidade, que inclui o acompanhamento das onças. Além disso, as empresas fazem a segurança da região, evitando atividades predatórias, e têm brigadas para combater queimadas.
No caso dos pássaros, o diretor da ABEEólica afirma que as empresas levam em consideração a rota migratória das aves no momento da concepção de parques eólicos, e que também monitoram os animais.
A respeito da instalação das usinas em dunas, Yamamoto diz que, hoje, não são construídas novas operações nesses locais. "A legislação mudou. Existem parques eólicos em dunas, mas, quando o prazo de vida deles terminar, eles serão descomissionados", declara.
Por fim, o diretor da ABEEólica afirma que poucos parques eólicos têm a total impermeabilização das estradas de acesso com asfalto —a maioria é de terra batida. "Parques eólicos com asfalto são exceções", completa.