Tempo está doido? Ele pode piorar com a previsão de um 'Super El Niño'
A chegada da primavera em setembro também é acompanhada da intensificação do fenômeno El Niño, com possibilidade de que ele se enquadre como um "Super El Niño", segundo a MetSul Meteorologia.
Ainda que a possibilidade de alcançar o nível de Super El Niño seja menor, ela não está descartada e a região Sul do Brasil já começa a sentir mais efeitos do aquecimento dos oceanos.
A confirmação da atividade do El Niño foi anunciada na segunda semana de junho deste ano pela NOAA (Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera), agência de tempo e clima do governo dos Estados Unidos, com a constatação do aquecimento das águas do Pacífico Equatorial.
Mas o que é o El Niño?
O El Niño consiste no aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico com a redução da velocidade dos ventos em sua superfície. Com isso, a área continental próxima ao mar — que corresponde à América do Sul oposta a onde o Brasil está — se torna mais quente, gerando evaporação e formação de nuvens de chuva.
No Brasil, isso é sentido no Sul e em parte do Sudeste. Já outras regiões encaram redução da chuva.
"Estamos verificando chuvas intensas no Rio Grande do Sul, verão extremamente quente no Sul da Europa, no inverno europeu houve uma redução no volume de neve nos Alpes e isso gera preocupação", afirma Pedro Luiz Côrtes, professor do IEE-USP (Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo).
Quais as chances de ocorrência do Super El Niño?
Intensidade gradual. Desde que foi identificado, o fenômeno vem sofrendo intensificação gradual com maior aquecimento das águas do Pacífico Equatorial nas últimas semanas.
A ocorrência da versão Super é vista como possibilidade pela comunidade científica. "Existe um bom consenso entre os climatologistas indicando essa possibilidade e isso vai fazer com que mais energia seja colocada no sistema oceano-atmosfera, o que implica maior intensidade nos eventos climáticos. Se numa situação normal de El Niño ou La Niña a gente já verifica fenômenos intensos com maior força, com um Super El Niño é ainda mais", alerta Côrtes.
Faixa de El Niño forte. Conforme o último boletim semanal da NOAA, a anomalia de temperatura da superfície oceânica nesta região atingiu +1,5ºC, a maior na área desde 16 de março de 2016, quando um Super El Niño estava em curso. Foi a primeira vez que a temperatura chegou na faixa de El Niño forte (aumento de +1,5ºC a +1,9ºC) em 2023.
Nível moderado. Embora tenha ocorrido o alcance de 1,5ºC, serão necessárias várias semanas neste patamar para classificar o fenômeno como forte, o que tem grandes riscos de ocorrer, segundo a MetSul. Por enquanto, o evento segue no nível moderado (de +1ºC até 1,4ºC), como já havia indicado nota técnica conjunta do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) e Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgada em julho.
Côrtes diz que há uma discussão científica interessante: se com as mudanças climáticas nós teríamos uma maior tendência da ocorrência de El Niños e se esses seriam mais intensos do que o usual.
Ele está conduzindo uma pesquisa para tentar explicar isso: "O que eu suspeito é que, na verdade, a gente tem uma tendência maior da ocorrência ou de situações de neutralidade ou de situações de La Niña [que provoca o resfriamento do Pacífico Equatorial, ao contrário do que acontece no El Niño]. O que não significa que isso seja positivo".
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Quero receberO professor também fala que numa situação normal teríamos a alternância entre El Niño e La Niña, com cada um durando alguns meses, um ano ou um ano e meio. Contudo, o último La Niña ocorreu praticamente do segundo semestre de 2020 até o começo de 2023, com um pequeno intervalo de neutralidade após a metade de 2021.
"Existe aí uma possível alteração na duração desses eventos e também nas consequências que eles estão gerando independentemente das temperaturas verificadas, ou seja, nós não precisamos ter um Super El Niño ou um Super La Niña para que as consequências sejam mais fortes, mais intensas", observa o professor da USP.
Indícios da versão Super. Os litorais do Peru e do Equador já apresentam anomalias de +3,1ºC, em um patamar muito intenso para El Niño costeiro, mas abaixo do pico de +3,5ºC do início da segunda quinzena de julho.
Como seria um Super El Niño e quais seus riscos?
A MetSul diz que não é possível descartar um cenário de Super El Niño com anomalias acima de +2ºC por várias semanas seguidas, já que vários modelos seguem indicando anomalias que superam esse aumento de temperatura, e dá como certo o alcance da intensidade do fenômeno no patamar forte.
O fenômeno ficaria persistente no verão, com projeções de modelos de clima apontando que ao menos até o outono de 2024 o Pacífico deve permanecer na fase quente, impactando o clima ainda nos primeiros meses do ano.
Último Super El Niño foi em 2015 e 2016, ano que a média da temperatura da Terra havia quebrado recorde — superado em julho deste ano. Côrtes alerta que caso os fenômenos caminhem para situações de temperaturas mais elevadas com El Niño (ou reduzidas no caso de La Niña), os eventos climáticos eles podem se manifestar com maior intensidade, maior frequência e até em áreas onde eles habitualmente não afetavam.
Impactos na região Sul. Segundo a MetSul, os impactos do El Niño tendem a serem mais sentidos no Sul do Brasil já agora a partir de setembro, com chuvas muito acima da média. O Rio Grande do Sul pode ter um mês excepcionalmente chuvoso.
O aquecimento das águas do Pacífico vai trazer ao longo dos próximos meses: chuva acima e/ou muito acima da média, com enchentes, temporais frequentes e temperaturas acima das médias históricas na região Sul.
No Norte do Brasil, a tendência é que ocorra o contrário, com ocorrência de seca. Também poderá haver limitação de chuvas no Nordeste.
Já nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, os sinais do El Niño serão mistos, com tendência maior para registros de temperaturas acima da média, possibilidade de ondas de calor e agravamento das consequências da crise climática global.
"Temos uma série de ações que estão sendo tomadas em diversos países", diz Pedro Côrtes, citando a redução drástica de emissões de CO2 na Europa e o próprio Brasil com volta do protagonismo no âmbito ambiental. "Os acordos globais dentro das COPs não têm ocorrido da maneira desejada, mas eles se mostram mais necessários porque a sociedade está sentindo na prática [os eventos climáticos significativos]".
A Europa tem sofrido com ondas muito intensas de calor e com a redução volume de neve nos Alpes, isso acaba prejudicando a navegação em diversos rios e o abastecimento de água. Ondas de calor muito intensas foram verificadas no Canadá, inclusive com incêndios florestais que saíram do controle. Ondas de calor muito extremas também foram verificadas nos Estados Unidos. Enchentes sem precedentes foram verificados no Chile. Isso só pra citar alguns dos eventos.
Pedro Luiz Côrtes
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