Ameaçado de morte em rota de tráfico, biólogo luta para salvar onças

Darién Gap é uma densa floresta no extremo sul do Panamá, um dos refúgios do maior felino das Américas —a onça-pintada. A espécie é dona da mordida mais forte do mundo entre os felinos e está no topo da cadeia alimentar da região. Ainda assim, estima-se que restam menos de mil delas naquele país, correndo o risco de entrarem em extinção nos próximos 50 anos.

Há 20 anos, o Panamá era crucial para manter algo chamado de fluxo genético entre as onças-pintadas do continente, mas agora elas se concentram apenas nessa área ao sul, região que está próxima da fronteira com a Colômbia, um local cercado por tráfico de drogas, armas e pessoas que se deslocam para tentar cruzar a fronteira dos EUA clandestinamente.

A mineração e o desmatamento ilegal são grandes problemas do local, que perdeu mais de 130 km² de floresta entre 2012 e 2019, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente do Panamá. A perda de habitat natural tem feito as onças atacarem o gado de pecuaristas, que fazem às vezes de "vingadores" e matam os felinos que predaram seus animais domésticos e/ou os criados para o abate.

Nesse cenário complexo, as onças ainda enfrentam a ambição de criminosos, que matam os animais para comercialização de seus "produtos", como peles, presas e órgãos genitais, que são vendidos no mercado ilegal asiático.

Em meio ao clima tenso entre vida selvagem e a humana, Ricardo Moreno, biólogo, pesquisador associado do Smithsonian Tropical Research Institute e explorador do National Geographic, é o fundador da Fundação Yaguara Panamá, que tem lutado para conscientizar produtores e agricultores locais sobre a importância das onças-pintadas e evitar o encontro de humanos com elas —ou torná-los o mais pacifico possível.

"Comecei a buscar informações científicas sobre onças-pintadas e a trabalhar em campo a partir de 1996, procurando fezes para entender o que comem, seguindo suas pegadas e rastros no campo. Oficialmente, em 2014, começamos a trabalhar no Panamá", conta Moreno para Ecoa.

Sua instituição registrou 381 mortes entre 1989 e 2022, mas o número oficial pode chegar a 700, sendo que 96% dos animais mortos estão ligados a conflitos com pecuaristas locais.

Apesar do esforço, Moreno já teve que lidar com produtores irritados e que se opuseram ao seu trabalho de conservação porque as onças haviam matado seus animais. No entanto, sempre preferiu adotar uma "postura pacificadora".

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Por duas vezes fui ameaçado de morte, mas graças às pessoas das comunidades, consegui voltar e conversar diretamente com quem me ameaçou e fazê-los entender. Ricardo Moreno

Moreno é conectado com a comunidade e com todos que vivem e circulam no local. Durante o trabalho de monitoramento de onças sempre leva suprimentos extras e roupas para ajudar migrantes, geralmente em situações difíceis ao tentar cruzar a região.

Seu instituto oferece suporte e palestras a fazendeiros para criar novas áreas e técnicas de manejo. Em áreas em que as fazendas estão em maior contato com a presença dos felinos, são adotadas técnicas que os espantem, como a instalação de cercas elétricas ao redor de áreas de bezerros e vacas.

A instalação de cercas elétricas em volta dos pastos que criam gado é uma técnica que ajuda a espantar as onças-pintadas sem causar risco de vida ao animal
A instalação de cercas elétricas em volta dos pastos que criam gado é uma técnica que ajuda a espantar as onças-pintadas sem causar risco de vida ao animal Imagem: Rikky Azarcoya

O trabalho de conscientização também aposta em explicar a importância do animal nas florestas da região, que predam cobras, javalis e outros animais que podem invadir o pasto e plantações desses agricultores e pecuaristas.

Vigiando as onças com a ajuda de câmeras e olhos indígenas

Moreno não está sozinho para monitorar as onças-pintadas, e conta com cerca de 1.900 câmeras instaladas por toda a extensão do canal do Panamá. Os equipamentos ajudam no processo de captura e sedação dos felinos, que recebem um colar de rastreamento.

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Para além da ajuda do amplo aparato de vigilância e GPS, a equipe do pesquisador tem apoio e recepção dos indígenas do povo Emberá, originários da região, que o ajudam a desbravar o território e têm a onça-pintada como uma guardiã mística de suas florestas.

Ricardo Moreno e sua equipe capturam e sedam onça-pintada para monitoramento com colar eletrônico
Ricardo Moreno e sua equipe capturam e sedam onça-pintada para monitoramento com colar eletrônico Imagem: Rikky Azarcoya

"Eles [indígenas] ajudam a montar o acampamento, a mobilizar a comida. E agora, estamos fazendo treinamentos para que instalem câmeras. Além disso, eles ajudam a inibir caçadores que vêm de outras partes do mundo para caçar onça ou outros animais aqui, conversando e explicando sobre a importância desses seres", conta Moreno.

Agora, a grande aposta do biólogo e a equipe de pesquisadores é realizar um grande "censo", tanto das onças-pintadas como de outros animais que vivem na selva com o predador.

"Com o rigor científico, teremos pela primeira vez uma informação valiosa para o país e poderemos ter um número com uma amostra grande e realmente mais precisa. Estamos expandindo esse trabalho, que era feito apenas em uma parte de Darién, para todo o Panamá", explica Moreno

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