Ambientalista salva crustáceos da extinção em mangue da Baía da Guanabara
Fabiana Batista
Colaboração para Ecoa, no Rio de Janeiro (RJ)
13/09/2023 06h04
Um derramamento de óleo no final da década de 1980 devastou um mangue localizado em plena Baía de Guanabara, na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro. O petróleo com cobertura de 10 cm a 12 cm acabou com qualquer possibilidade de vida para os crustáceos que, até então, viviam na região.
Quase 20 anos depois do desastre, o hoje ambientalista e técnico em meio ambiente da Fiocruz Roberto Viana, 52 anos, que nasceu naquela região, percebeu um indício de vida do mangue. "Em 2007, passeando com o meu pai, vi dois buracos do uca [espécie de caranguejo]. Pelo formato, era um casal", conta ele a Ecoa.
Os olhos dos dois brilharam. "Já que estes sobreviveram, era possível repovoar." E ele arregaçou as mangas. Escolheu algumas áreas, tirou o lixo e o óleo, cercou e depositou crustáceos fêmeas comprados na época da desova para formar viveiros reprodutivos.
Roberto não está de acordo com a venda na época do defeso (que é o período reprodutivo), mas "como estava comprando para o repovoamento não me sentia culpado".
Repovoamento
De 2010 a 2016, ele fez doze viveiros. Protegidas, as fêmeas desovavam e, semanalmente, o ambientalista soltava, em média, 60 animais na natureza, entre chama-marés, caranguejos-uçá, aratus e os guaiamuns.
O número de exemplares começou a crescer espontaneamente e logo o local também viu a volta de várias aves, que aproveitavam a sombra e o alimento novamente disponível para fazer ninhos, além de peixes, que voltaram a freqüentar o mangue para a desova.
A toda essa ação ele deu o nome de 'Projeto Caramangue'. E o objetivo do trabalho era justamente recuperar, ainda que 20 anos depois, a área que foi afetada pelo derramamento de óleo.
A lama engrossou, o lixo ficou acumulado e as margens de areia, pretas.
Roberto Viana
Nessas duas décadas até a chegada do projeto, a região foi um depósito de lixo vindo da Baía de Guanabara e as praias não se recuperaram mais.
Natural do mangue
Nascido na Ilha do Catalão, atualmente uma reserva ambiental da Ilha do Fundão, aos 4 anos Roberto ganhou um cesto de caranguejos do pai, que pescava para se sustentar. "Sem querer, eu os matei. Fediam e, para afastar o cheiro, espirrei desodorante", conta ele aos risos. Após o episódio, o pai o ensinou sobre os crustáceos e o presenteou com outro cesto.
Os aprendizados e a paixão por esses bichos fizeram com que o menino passasse a freqüentar o mangue sozinho. A partir dos 6 anos, já vivendo na Vila Residencial, aproveitava a companhia dos crustáceos para estudar. "Só assim consegui tirar boas notas na escola", relembra.
Na infância, antes do assoreamento provocado pelo desastre ambiental, ele frequentava a praia e mergulhava no mangue. Frustrado com o derramamento de óleo, Roberto, que já trabalhava como técnico de informática, no início de 1990 se mudou de lá e só voltou 15 anos depois, naquele passeio com o pai.
Casado e com dois filhos, ele já gastou até o dinheiro das compras domésticas para comprar crustáceos para o repovoamento do mangue.
Uma vez, estava na Maré para fazer a feira e comprei tudo em guaiamum [espécie de caranguejo]. Levei uma bronca ao voltar com as mãos vazias".
Roberto Viana
Árvores frutíferas e répteis
Em 2016, com a reprodução espontânea dos crustáceos e a chegada de outros bichos, o ambientalista deixou 'Caramangue' aos cuidados de voluntários e criou um novo projeto. O 'Horto da Vila' cultiva mudas para o reflorestamento de terrenos abandonados.
Com a ajuda de alunos da vizinha Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), limpou um terreno antes utilizado como lixão e o matagal deu lugar a árvores frutíferas e tanques de peixes.
Entusiasmado, Roberto mostra o local e comemora a natureza renascida ali. "Aqui tem goiabeira, ingá de corda, graviola [...] salsinha, coentro [...]. De peixe tem o espada, paulistinha [...]. Também já vi o réptil ameiva [...]. Passam por aqui sabiá, mico, canário [...]".
Enquanto guiava a reportagem de Ecoa pelo local, foi interrompido por um policial. "Ele quis comprar um coqueiro", explicou na volta. Além de doar plantas para associações de moradores, como a do Complexo da Maré, com o objetivo de incentivar espaços verdes em favelas, a iniciativa vive da venda de mudas.
Abandono e resistência
"O período de glória do projeto foi entre 2018 e 2019, quando ele funcionava com voluntários da universidade", conta. Após a pandemia, a ajuda diminuiu. O mangue, que está vivo novamente, foi de novo invadido pelo lixo da Baía de Guanabara e apenas Roberto resiste no local e mantém o seu horto.
Apesar do cansaço, o ambientalista não tem a intenção de parar. Ele vê o mangue como um berçário da fauna. "Com o repovoamento de crustáceos e o rio limpo, a cadeia alimentar gira. Peixes aparecem, aves fazem ninhos. Ver o mangue vivo é a minha maior alegria."
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