Mulheres no comando: Pacto Global recebe selo por ter liderança feminina
O Pacto Global da ONU Brasil, que dá continuidade nesta sexta-feira (15) ao evento SDGs in Brazil, em Nova York, tornou-se uma organização certificada pela WOB (Women on Board). O reconhecimento destina-se a organizações que têm pelo menos duas mulheres em seus conselhos de administração e consultivos.
A entidade ultrapassa esse mínimo: são nove mulheres, de dez pessoas, no colegiado, que é presidido por Rachel Maia. A executiva tem vasta experiência em cargos C-level e como conselheira em empresas de diferentes segmentos. Na maioria das vezes, ela era a única mulher negra em cargo de liderança.
"Por muito tempo, no imaginário social, havia apenas um único perfil de liderança a ser considerado: homens brancos, cis, héteros e socialmente estáveis. Não se falava de diversidade, políticas afirmativas e de programas de desenvolvimento que olhassem para os demais corpos e suas intersecções", diz ela a Ecoa.
A ampliação do número de mulheres na alta liderança é uma discussão cada vez mais relevante entre as pautas corporativas que envolvem princípios ambientais, sociais e de governança (na sigla ESG). Mas pesquisas ainda escancaram a baixa participação delas nos conselhos.
O relatório Women in the boardroom: A global perspective, publicado em 2021 pela Deloitte, mostra que quase 20% dos assentos em conselhos no mundo são ocupados por mulheres. A pesquisa analisou mais de 10,4 mil companhias em 51 países.
No Brasil, o cenário preocupa ainda mais, pelo lento avanço:
- 2014: 6,3%
- 2016: 7,7%
- 2018: 8,6%
- 2021: 10,4%
É para estimular as empresas a olharem para esse tópico de diversidade que o movimento WOB criou o selo de certificação. Segundo Carol Conway, cofundadora do WOB, a iniciativa busca instigar as empresas pela competição de mercado ou pelo exemplo de boas práticas dos pares.
"Além da questão de igualdade, é lucratividade", diz. "Tem bancos de investimento que não fazem IPO de empresas que não têm mulheres no board."
De fato, existe uma relação consistente entre diversidade na liderança e maior lucratividade. Estudo da consultoria McKinsey indica que diversidade de gênero na liderança leva a uma probabilidade 45% maior de ter uma performance financeira superior.
Juliana Vansan, diretora executiva no Grupo Boticário e conselheira no Pacto, analisa que isso ocorre porque "um ecossistema com pessoas de diferentes origens e perspectivas enriquecem as discussões e análises de atuação de todo o mercado".
Rachel Maia diz que a presença feminina impacta numa liderança mais diversa, plural e interseccional. "O que resulta em representatividade horizontal, já que as pessoas passam a se enxergar em seus líderes e os resultados passam a ser mais reais", acrescenta.
Para Carla Crippa, uma das conselheiras do Pacto Global, é essencial que as mulheres reconheçam a liderança como um espaço a ser ocupado. "Isso cria um sentimento de pertencimento e identificação para fortalecer e ampliar a participação feminina na alta liderança", diz ela, que é vice-presidente de Impacto Positivo e Relações Corporativas da Ambev no Brasil.
Bons exemplos na mira
Fortalecendo a proposta do WOB, o selo conta com o apoio da ONU Mulheres, do GPTW (Great Place To Work) e parceria do próprio Pacto Global da ONU Brasil. Com isso, quase 120 empresas já foram certificadas até o início deste ano.
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Quero receberEmpresas interessadas em receber o selo podem se inscrever no site da iniciativa, que vai solicitar documentos para comprovação.
Mas o WOB também faz uma busca ativa por companhias que possam ser certificadas, em especial nos setores tradicionalmente formados por homens.
Indiretamente, o movimento também olha para os outros pilares do ESG, pois estão interligados. É uma atuação em rede com outros movimentos para destacar as empresas que praticam bons exemplos.
O topo é logo ali?
Carol Conway menciona que a qualidade das lideranças femininas já é ótima, uma vez que as mulheres se qualificam mais e são mais aprovadas quando se candidatam a vagas. A questão mesmo é aumentar a quantidade delas no topo.
O desafio, porém, é imenso. Para chegar nesse patamar, não basta subir os degraus, é preciso tirar empecilhos do caminho. A discussão começa muito antes, no acesso à educação, formação continuada e oportunidades.
A inclusão perpassa também questões raciais, (falta de) apoio à maternidade e equidade salarial. "Temos que eliminar as barreiras de acesso, geralmente ancoradas em preconceitos, muitas vezes inconscientes, sobre a capacidade da mulher e sobre seu comportamento", menciona Paula Simões, vice-presidente executiva de Conhecimento e Aprendizagem da Fundação Dom Cabral e conselheira do Pacto.
Para Carol, é preciso consolidar um olhar mais integrativo sobre as mulheres.
É entender que a gente tem de olhar para o ser humano. Não é só sobre o meu gênero, é sobre o que eu faço, o que emprego e como emprego melhor nesse ambiente. Carol Conway, cofundadora do WOB
Numa visão de autorresponsabilidade e autovalorização, ela também aponta a dificuldade de mobilização por parte da profissional. Caberia a ela também observar se a empresa em que está ou deseja é comprometida com a diversidade.
Como chegar lá?
Rachel Maia considera que a educação foi essencial para avançar na carreira e alcançar a liderança. "Eu sempre fui muito curiosa e interessada, estudar foi e ainda é a forma que encontro para me empoderar, me desenvolver e sair da minha zona de conforto e da minha realidade", afirma.
Ter rede de apoio também é ponto-chave, algo que mais tarde ela transformou na premissa no Instituto Capacita-me, a fim de que pessoas se desenvolvam de forma coletiva.
Para as mulheres que já são líderes e almejam conselhos, Conway indica o PDeC (Programa Diversidade em Conselho), que conta com o apoio da B3, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, do International Finance Corporation, do Women Corporate Directors Foundation e da Egon Zehnder
Ela passou pelo PDeC e o considera um "divisor de portas". No programa, as mulheres em posição de liderança recebem mentoria de homens e mulheres presidentes de conselhos, que as guiam por um ano no caminho das pedras para chegar ao topo.
Desde a primeira edição, em 2014, 139 mulheres já participaram do programa, das quais 64% assumiram assentos em conselhos ou comitês.
Para ampliar o contato com essas figuras de referência no corporativo, Carol Conway criou o podcast Conselho dos Conselhos, em que recebe as lideranças do alto escalão para uma mentoria coletiva.
As conselheiras do Pacto Global da ONU Brasil
Rachel Maia - Presidente
Foi CFO (diretora financeira) da joalheria Tiffany&Co e CEO da Pandora e da Lacoste no Brasil. Também atuou na 7-Eleven e Farmácia Novartis. Em 2018, fundou a RM Consulting, da qual é CEO, e o Instituto Capacita-me, que visa incluir pessoas em vulnerabilidade socioeconômica no mercado de trabalho.
Durante a minha carreira, estive em grandes empresas em que eu era a única mulher negra a ocupar um cargo de alta liderança. Isso, de alguma forma, balança o status quo e desmistifica o homem como o único nas tomadas de decisões. Rachel Maia
Ana Fontes - Vice-presidente
Fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME), foi eleita uma das mulheres mais poderosas do país pela Revista Forbes Brasil em 2019. Membro de conselhos, atua com diversidades também por meio do Instituto RME, fundado em 2017, que capacita mulheres em vulnerabilidade social, com foco em empreendedoras negras, trans, de comunidades ou com mais de 50 anos.
Meu sonho como empreendedora é que a gente não precise esperar 150, 200 anos para viver numa sociedade mais justa e inclusiva para mulheres. Ana Fontes, em reportagem de Ecoa
Carla Crippa
Vice-presidente de Impacto Positivo e Relações Corporativas da Ambev no Brasil. Liderou a criação da água AMA, cujo lucro é 100% revertido para levar acesso à água potável, e do Bora, programa de inclusão produtiva da empresa que visa impactar 5 milhões de pessoas até 2032.
Para crescer e se desenvolver é preciso ter suporte, uma rede de apoio que impulsione as nossas carreiras, especialmente quando olhamos para nós, mulheres, que vivemos várias etapas em nossa jornada, como a maternidade. Ter uma rede de apoio fez toda a diferença. Carla Crippa
Juliana Vansan
Diretora executiva de assuntos institucionais e comunicação do Grupo Boticário, tem mais de 21 anos de experiência na área de relações governamentais, comunicação corporativa, regulatório e sustentabilidade. Ocupou posições estratégicas em empresas como Mondelez International, Heineken do Brasil e Kraft Heinz.
A presença de mulheres na alta liderança favorece a construção de um ambiente cada vez mais diverso nas companhias, proporcionando que novas habilidades e perspectivas estejam presentes no dia a dia das empresas. Juliana Vansan
Luciana Nicola
Diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Itaú Unibanco. Recentemente, atuou na iniciativa Todos Pela Saúde, na organização do Plano Amazônia, que une os três maiores bancos privados do país, além de idealizar o programa Bike Itaú.
Essa maior representatividade de mulheres em posições decisórias certamente possibilita um olhar mais amplo e uma atuação mais efetiva em favor de grupos minorizados, tanto na questão de gênero quanto de outras naturezas. Luciana Nicola
Paula Matos Marques Simões
Vice-presidente executiva de Conhecimento e Aprendizagem da Fundação Dom Cabral, atuou como gerente executiva de Desenvolvimento e Professores e como professora da FDC na área de marketing. Atuou no Ibmec, Fundação João Pinheiro e Faculdade de Ciências Humanas de Pedro Leopoldo.
O impacto da liderança não depende apenas do gênero. O ideal é promover a diversidade de experiências e outras características individuais para colher toda a riqueza potencial em ideias e novas soluções. Paula Simões
Suelma Rosa
Head de Reputação e Assuntos Corporativos da Unilever Brasil, também faz parte do conselho de sustentabilidade da marca Mãe Terra e do conselho de reputação do Ipsos Reputation, da Associação Brasileira de Bioinovação, e da Associação Brasileira das Indústrias Alimentícias. Também tem cadeira ativa no CORB (Conselho Orientador da Rede Brasil) do Pacto Global.
O desafio, não apenas entre a comunidade de conselheiras de administração, mas na sociedade de maneira geral, é a equiparação salarial e o 'teto de vidro', que impedem o progresso de posições em lideranças médias para posições sêniores. É uma jornada. Suelma Rosa
Gabriela Bertol
Senior head de Sustentabilidade do Banco Santander Brasil. Antes, foi Diretora de Serviços financeiros da Oliver Wyman, consultoria global de negócios e estratégia.
É fundamental entender as barreiras para trabalhar o encarreiramento de forma efetiva. Só assim iremos garantir a progressão de mulheres e outros grupos subrepresentados para cargos de alta liderança de forma cada vez mais orgânica. Gabriela Bertol
Silvia Rucks (convidada)
Coordenadora residente do Sistema Nações Unidas no Brasil desde 2021, tem mais de 30 anos de experiência em várias agências da ONU em países como Argentina, Brasil, Colômbia, Cuba, El Salvador, Guatemala, México, Nicarágua, Peru e Uruguai, bem como na sede em Nova York. Trabalhou nas áreas de governança democrática, gestão de riscos e resposta a desastres, prevenção e resolução de conflitos e igualdade de gênero.
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