'Sofríamos com enlatados': como energia solar salvou aldeias no Pará
Adriana Amâncio
Colaboração para Ecoa, no Recife (PE)
18/09/2023 06h07
Em tom de celebração, Renata Gondim anuncia: "Por muito tempo nós sofremos com os enlatados, hoje vamos oferecer merenda de qualidade para os nossos alunos porque temos onde armazenar alimentos."
Renata é gestora da Escola Municipal Nossa Senhora de Fátima, da comunidade indígena Anã, que fica na Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, em Santarém, no estado do Pará. Por anos, o local funcionou sem energia elétrica e era impossível armazenar alimentos frescos em frigoríficos.
A comunidade, localizada às margens do rio Tapajós, tem 88 famílias, cerca de 440 pessoas. Antes da chegada do sistema de energia solar, em 2022, a escola fazia parte das estatísticas do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), que estima que, na Amazônia Legal, cerca de 1 milhão de pessoas vivem sem acesso à energia elétrica.
Ali havia apenas um gerador movido a diesel, que funcionava esporadicamente, não garantindo acesso seguro à energia. Por isso os alimentos enlatados tinham mais espaço na merenda escolar.
O projeto que levou energia solar à escola é desenvolvido pela ONG Saúde e Alegria, que trabalha com desenvolvimento sustentável em territórios indígenas e comunidades tradicionais do oeste do Pará.
Desde 1999, ano em que os sistemas solares passaram a ser implementados, foram instalados 127 sistemas do tipo off grid, que capta a energia por meio dos painéis e direciona para as baterias por meio de um controlador. Outro equipamento, o inversor, transforma e transporta essa energia.
Na avaliação do Coordenador da ONG, Caetano Scannavino, além da qualidade da merenda, a energia solar tem impactado a ampliação do alcance da educação nas comunidades.
A energia solar possibilita a iluminação noturna e a oferta da Educação de Jovens e Adultos (EJA), pode ligar data show e melhorar a qualidade do ensino.
Caetano Scannavino, da ONG Saúde e Alegria
Acesso à saúde
Sem o acesso à energia elétrica, muitos indígenas precisavam também se deslocar por horas, e até dias, para os centros urbanos para ter acesso a serviços básicos de saúde, como aplicação de vacinas e consultas médicas.
Com a instalação dos sistemas solares, esses serviços essenciais puderam passar a ser oferecidos dentro das próprias aldeias e comunidades ribeirinhas. Em todas as áreas de atuação da ONG, a energia já chega a 55 residências, 40 sistemas de bombeamento de água, 14 pontos de acesso à internet, oito unidades básicas de saúde, cinco empreendimentos da economia comunitária e quatro escolas.
A coordenadora do Núcleo de Acesso à Água, Saneamento e Energias Renováveis da ONG Saúde e Alegria, Jussara Salgado, comenta que nas unidades básicas de saúde, a energia solar tem impactado na imunização e na qualidade do atendimento.
A energia tem sido muito importante para a conservação de vacinas e também tem oferecido melhores condições de atendimento às equipes de saúde.
Jussara Salgado, da ONG Saúde e Alegria
Com unidades melhor equipadas, os povos de áreas isoladas evitam o longo deslocamento até os centros urbanos para um atendimento básico.
Entre os empreendimentos comunitários apoiados estão ainda pousadas comunitárias, casas de artesãs, fábrica de ração destinada à piscicultura, além de cooperativas de polpa de frutas e sistemas de irrigação de roçados e de viveiros agroflorestais.
Jussara enfatiza que, antes de qualquer benefício, a energia solar reduz o consumo de combustíveis fósseis. "O primeiro impacto é a redução do uso de diesel, que garantia o funcionamento dos geradores."
Água limpa nas torneiras
A chegada da energia solar também tem solucionado o problema de acesso à água potável em territórios indígenas. Apesar de boa parte dessas áreas ser cortada por grandes rios, nos trechos onde há presença do garimpo ilegal o mercúrio contamina as águas, tornando-as impróprias para consumo.
Segundo dados da ONG Mapbiomas, no território Munduruku, na Bacia do Tapajós, região oeste do Pará, 1.592 hectares são ocupados com garimpo ilegal. Essa estatística põe o território em segundo lugar dentre os mais ocupados com garimpo ilegal.
Além disso, de acordo com Caetano Scannavino, muitas cidades do entorno lançam os seus esgotos sem tratamento nos rios, acentuando a contaminação. "Muitos problemas de diarreia vêm da água contaminada por dejetos, lançados nos rios", explica.
Os sistemas de energia solar têm possibilitado o bombeamento de água de igarapés e outras fontes hídricas livres de contaminação. Antes do uso, a qualidade da água é testada pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), órgão parceiro do projeto.
A energia tem garantido o funcionamento de sistemas de abastecimento que reúnem reservatórios de 1 mil litros, de uso familiar, e de 5 mil litros, usados por um grupo de famílias. Neste caso, a energia é captada pelas placas ao longo do dia em que a incidência do sol é intensa e depois abastece a bomba que leva a água até os reservatórios, onde fica armazenada.
As famílias que recebem o sistema de energia solar passam por capacitações para operacionalizar e solucionar pequenos problemas. As oficinas são ofertadas com conteúdos práticos e teóricos, que abordam conceitos como o que é eletricidade e em que consiste o sistema fotovoltaico off grid. "A ideia é que eles tenham autonomia suficiente evitar a dependência de profissionais externos", explica Caetano.
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