'Mãe de todas as boiadas': por que mudança em regra ambiental é tão temida
Apresentado na época do governo de Jair Bolsonaro, o Projeto de Lei 2.159 foi aprovado na Câmara em 2021 e pode ter a votação pautada no Senado a qualquer momento —ainda neste semestre, segundo organizações ambientais.
Foi apelidado de 'a mãe de todas as boiadas' por promover a flexibilização generalizada dos licenciamentos ambientais no país e facilitar o garimpo.
O texto atende aos interesses de dois dos lobbies mais poderosos do Congresso, o ruralista e o da indústria, alertam o Observatório do Clima e o Instituto Socioambiental (ISA):
- dispensa licenciamento rigoroso para uma série de empreendimentos, inclusive agropecuários;
- facilita empreendimentos relacionados "à manutenção e ao melhoramento da infraestrutura preexistente";
- deixa na mão de estados e municípios a definição de quando a licença seria necessária;
- mesmo em projetos sujeitos a verificações, o procedimento será flexibilizado e automatizado.
A ex-ministra de Bolsonaro e atual senadora Tereza Cristina é relatora do projeto.
"Nunca antes na história desse processo houve um texto tão ruim. Ele privilegia a não licença, tem uma lista grande de isenções, com redações genéricas, e privilegia o autolicenciamento, na forma da 'Licença por Adesão e Compromisso' (LAC)" Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e uma das maiores especialistas na legislação ambiental do país
Para Maurício Guetta, consultor jurídico do ISA , a grande maioria —"daria para dizer 98% a 99%"— do licenciamento ambiental viraria documento autodeclaratório, sem análise humana e sem análise prévia por parte do órgão ambiental. A licença é obtida de forma automática.
Garimpo e mineração
Uma das atividades que mais se beneficiariam da aprovação do texto no Senado seria a mineração, inclusive o garimpo, acredita Guetta.
"Na grande maioria das vezes, o garimpo já não é considerado uma atividade de significativo impacto ambiental, e ele vai ter ainda menos cuidado, ampliando os riscos da proliferação de novos desastres e impactos sobre as pessoas."
Um estudo publicado pelo ISA aponta que 86% dos empreendimentos minerários e suas barragens de rejeitos em Minas Gerais poderiam ser licenciados via Licença por Adesão e Compromisso, ou seja, automática.
O PL também facilitaria a regularização a posteriori de empreendimentos realizados sem licença —o que, na prática, significaria um incentivo a projetos irregulares desde o começo.
Para Suely Araújo, a mudança "implode com mais de 40 anos de experiência de licenciamento ambiental no país".
"É certo que a gente precisa racionalizar, organizar, gerenciar os processos de licenciamento. Mas acabar com ele, como é a proposta, seria voltar no tempo em que as crianças nasciam sem cérebro em Cubatão porque a poluição não tinha controle", compara.
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Quero receberAtualmente, o PL tramita em duas comissões do Senado —Meio Ambiente e Agricultura.
A esperança dos ambientalistas é que os pontos mais críticos do documento possam ser retirados ou modificados, por meio de emendas apresentadas pelos próprios senadores.
Mas o risco é que, no contexto do Novo PAC, programa de investimentos do governo federal que resultará em milhares de obras pelo país, o texto passe sem as mudanças desejadas.
A Casa Civil já demonstrou a intenção de "aperfeiçoar o ambiente regulatório e do licenciamento ambiental" para não emperrar as futuras obras do PAC.
A nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento se vende como 'verde' —mas não atenderá a esse compromisso se o PL 2.159 passar como está, ressaltam as organizações.
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