Zoo e comunidade indígena tiram da extinção a maior ave da América do Norte

Quando Mike Clark era garoto, seu pai o chamou apressado no quintal para ver algo planando alto no céu. "Olha isso! Você provavelmente nunca mais verá outro", alertou.

O pai apontava para um condor-da-califórnia, maior pássaro da América do Norte, que chega a ter três metros de envergadura de asas.

Mal poderia imaginar o pai que, décadas mais tarde, seu filho viraria um especialista no programa internacional e multimilionário de recuperação da espécie, um pássaro negro imponente, com penas brancas no interior das asas e cabeça careca, da família dos abutres.

De fato, o condor foi extinto na natureza em 1987, quando as 22 aves livres que restavam foram capturadas para cativeiro. A estratégia foi polêmica, mas trouxe resultados.

Hoje, existem mais de 500, incluindo cerca de 300 que voam livres na Califórnia, Baja Califórnia (México), Arizona e Utah, ainda que continuem na lista de ameaçados de extinção.

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Imagem: Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA

Recorde de ovos em 2023

Há 34 anos, Clark trabalha no Zoológico de Los Angeles e cuida de dezenas de condores-da-califórnia, nenhum em exibição para os visitantes.

Doze pares fazem parte do programa de reprodução e renderam um recorde de 20 ovos em 2023. Após os ovos serem incubados artificialmente, os filhotes são criados pelas aves adultas. Ao alcançar um ou dois anos, são soltos na natureza.

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"Temos muitos pássaros agora e provavelmente não serão extintos, o pior já passou", disse Clark, enquanto observava os condores com seus filhotes nos monitores de seu escritório.

Agora precisamos administrar a população selvagem e fazê-la ser autossuficiente. Mas isso não deve acontecer tão cedo.
Mike Clark, especialista em recuperação da espécie

Mike Clark é especialilsta no programa internacional de recuperação do condor-da-califórnia
Mike Clark é especialilsta no programa internacional de recuperação do condor-da-califórnia Imagem: Fernanda Ezabella

Telenovela Mexicana

O programa de recuperação do condor-da-califórnia começou em 1979 pelo Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA (USFWS, na sigla em inglês), agência federal que investe por ano mais de US$ 1 milhão (R$ 4,8 milhões).

O programa é composto por uma rede eclética de entidades públicas e privadas: zoológicos, refúgios selvagens e parques em cinco estados, além de uma comunidade indígena no norte da Califórnia e uma dupla que vive isolada nas montanhas do México.

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É divertido acompanhar os condores. Alguns são muito fiéis, ficam anos de luto. Tem um que parece um gigolô, não se compromete com ninguém. Todo dia aqui é uma telenovela.
Catalina Catalina Porras, conservacionista

Catalina mora desde 2002 em San Pedro Martyr Sierra, em Baja Califórnia, estado mexicano na fronteira com a Califórnia. A região tem 46 condores livres, incluindo seis que vieram do Chapultepec Zoo, na Cidade do México, e 15 que nasceram na natureza.

Por quase 20 anos, ela e um colega moraram acampados no local, enfrentando maus bocados na neve de inverno. "Somos perseverantes, nunca abandonaríamos os condores."

Pânico e vacina

Tamanho esforço internacional entrou em alerta máximo em março deste ano, quando 21 condores selvagens do bando de apenas 116 aves no Arizona e Utah morreram de gripe aviária, um vírus altamente contagioso que tem afetado milhares de pássaros pelo mundo.

Em questão de semanas, o surto desfez uma década de esforços na recuperação da espécie.

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Mas, em poucos meses, a USFWS conseguiu aprovação de emergência para uso de uma vacina criada para frangos comerciais. Após testes em urubus-pretos, foi aplicada em três condores em julho. Hoje, 16 já receberam a vacina. Todos passam bem.

A vacina traz esperança, ainda que a ameaça da gripe aviária ainda seja bastante real. Ela surge em ciclos com os pássaros migratórios na primavera e outono.
Ashleigh Blackford, coordenadora do programa da USFWS

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Imagem: Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA

Ela diz, ainda que não há como prevenir a exposição. "Os condores são sociais, se reúnem nas carcaças, na hora de dormir. Precisamos ser estratégicos e reagir com mais rapidez."

Avistar esses pássaros gigantes na natureza é um evento raro e inesquecível, e uma ONG dedicada ao condor-da-califórnia ajuda na empreitada.

No verão, eles instalam uma tenda no topo das montanhas do parque Bitter Creek National Wildlife Refuge, a 170 km de Los Angeles. Com binóculos e lunetas, a turma às vezes passa o dia sem avistá-los. Outras vezes, é presenteada com um espetáculo.

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"Um dia vi 27 condores voando em cima da minha cabeça. Até chorei de emoção, eram mais condores livres do que existiu num certo ponto, nos anos 1980", disse Helen Johnson, presidente da Friends of California Condors.

Danças indígenas

A mais nova e menor população de condores selvagens vive no norte da Califórnia, sob os cuidados da comunidade indígena Yurok, no parque de Redwood. São apenas oito aves jovens de 2 a 4 anos, soltas em 2022, após mais de dez anos de estudos.

A iniciativa de trazer o condor de volta ao território indígena veio de uma força-tarefa formada por anciãos da comunidade sobre as necessidades de restauração natural e cultural, contou Tiana Williams-Claussen, diretora do Departamento de Vida Selvagem da Tribo Yurok.

Tiana Williams-Claussen (de vermelho) aprende a lidar com seu primeiro condor, há 14 anos
Tiana Williams-Claussen (de vermelho) aprende a lidar com seu primeiro condor, há 14 anos Imagem: Chris West/Arquivo pessoa

"Quando perguntaram qual animal seria o mais importante para trazer de volta, sem hesitar nosso líder falou: prey-go-neesh", disse Williams-Claussen, usando o nome nativo do condor-da-califórnia.

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Nossos líderes ainda se lembravam dos laços culturais profundos com essa ave. Eu não cresci sabendo nada disso. Mas hoje minha filha sabe.
Tiana Williams-Claussen, da Tribo Yurok

O condor aparece nas lendas de criação do mundo e em danças que foram proibidas com a chegada dos colonizadores. "Por voar tão alto, mais do que qualquer outro pássaro na região, acreditamos que o condor ajude a levar nossas orações aos céus", disse.

Por cem anos, a ave sumiu do norte da Califórnia devido à caça desenfreada e envenenamento de chumbo, quando as aves comem carcaça de animais mortos por balas de chumbo.

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Imagem: Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA

Por 40 anos, os experts aprenderam praticamente todas as artimanhas dos condores, mas ainda não descobriram como dissuadir os caçadores a trocar suas munições de chumbo. Envenenamento segue a principal ameaça: 50% das mortes desde 1992, quando as aves foram reintroduzidas na natureza.

"Para os condores serem autossuficientes será preciso uma mudança na cultura [dos caçadores]", disse Clark, do L.A. Zoo, explicando que a proibição da Califórnia de venda de balas de chumbo em 2019 ainda não surtiu efeito. "Isso vai levar algumas gerações."

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