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Lázaro Ramos: 'Mostrar afeto por nossos traços é uma mensagem muito forte'

'Falar sobre cultura preta, e os principais pilares que habitam nela, como a conexão com a ancestralidade, é algo que faz parte da rotina da minha família dentro de casa', diz Lázaro Ramos Imagem: Divulgação

De Ecoa, em São Paulo (SP)

04/10/2023 11h37

Caso eu me arriscasse a escrever uma biografia de meu cabelo, assim como a protagonista de Djaimilia Pereira de Almeida no romance "Esse Cabelo", com certeza começaria pela África, mesmo sem saber especificamente onde.

Para alguns, essa biografia teria um quê de futilidade, mas como também cita o livro de Djaimilia, seria fútil falar de um braço que tanto viveu durante uma guerra até ser amputado?

Ok, mais uma vez poderão me apontar certo exagero na comparação de Djaimilia, mas acredito que não é o caso.

O processo de aceitação do cabelo muitas vezes é uma das etapas de identificação de pretos e pretas no Brasil. Um cabelo pode contar muitas histórias.

"Falar sobre cabelo é falar de ancestralidade, sobre sua identidade e tem a ver também com autoconhecimento", comentou comigo o ator Lázaro Ramos, durante um papo exclusivo no escritório da Walt Disney Company em São Paulo, na manhã desta segunda-feira (2).

Ele esteve lá como "representante de Maria Antônia", sua filha, no lançamento da nova campanha para a linha de produtos para cabelo Juntinhos, da Seda. Pai e filha fazem parte de uma das peças publicitárias da marca.

No vídeo da campanha, Lázaro reflete sobre a importância de soltar os cabelos crespos como forma de autoconhecimento e conexão com a ancestralidade.

Quando uma menina assim como você solta seu cabelo, é um momento em que você se reconhece, se reconhece como uma pessoa preta, tem orgulho dos seus traços. E aí, meu amor, a gente se conecta com a gente mesmo, com a nossa história e se abre um mundo de possibilidades. Lázaro Ramos em vídeo com sua filha Maria Antônia

"Eu acho que o afeto é muito poderoso. Mostrar o afeto pelo seus traços, pelo seu cabelo, entender que você pode usá-lo do jeito que você quiser é uma mensagem forte", disse o ator a Ecoa.

Ele também falou sobre como esse tipo de campanha também é importante para pessoas, geralmente brancas, que não possuem o cabelo crespo e cacheado, uma vez que coloca esse traço como algo positivo, bonito.

Meu cabelo também era um lugar para mostrar minha força e isso é transportado para a minha família. Lázaro Ramos

Para o lançamento da campanha publicitária, também esteve presente Adriana Barbosa, fundadora da PretaHub e da Feira Preta. Ela acrescentou à discussão o impacto que esse tipo de referência positiva têm nas crianças, público alvo dos produtos Juntinhos.

"Mas para as crianças sustentarem isso no dia a dia é preciso muito amor, não é fácil lidar com as opressões na escola", comentou a empreendedora social.

Eu mesma me lembro do incentivo que a minha mãe me dava para manter meu cabelo natural, assim como o dela. Na escola, contudo, o que eu ouvia era outra coisa.

As várias zombarias e xingamentos colocavam por terra todo o trabalho de empoderamento que minha mãe construía em casa.

Eu tive pouca representação na minha infância, mas fui salvo por uma família que me deu muita autoestima, uma família de muito elogio explícito, mas meu black só veio no teatro, na aceitação, ao conhecer a minha história. Lázaro Ramos

É aí que campanhas como essa entram. Como o próprio ator me disse, é claro que um comercial de um produto para cabelo crespo infantil não vai resolver todos os problemas do racismo no Brasil, mas esse é, sim, um passo importante, principalmente porque campanhas como essa atingem pessoas cujo letramento racial não chegaria de outra forma.

Um artigo intitulado "Afirmação da identidade étnico-racial em crianças quilombolas e não quilombolas", feito por pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe, mostra por meio de dois estudos de caso a importância de referencial positivo para a autoidentificação de crianças negras.

Ao serem expostas a contos de fada que retratavam pessoas pretas de forma positiva, houve um aumento de 40% na autoidentificação das crianças como negras.

O ator Lázaro Ramos reforçou isso durante nosso papo, quando me disse que sua filha nunca viu o próprio cabelo como algo feio, com um aspecto negativo. Para mim, na minha infância nos anos 2000, isso era impensável.

Mais uma vez, aqui entra a campanha cuja qual ele estava divulgando. Nas embalagens dos produtos para cabelo infantis da linha Juntinhos, a princesa Tiana, protagonista do filme "A Princesa e o Sapo", aparece de cabelos soltos pela primeira vez.

"Buscamos dar a magnitude necessária a esta ação construindo um legado que começa com a provocação para soltar os cabelos da Tiana. Queremos mudar o mercado juntos e promover uma experiência muito mais positiva entre as crianças negras e seus cabelos daqui para frente", comentou Thaís Hagge, CMO de HairCare LatAm de Unilever.

Fico pensando o impacto que ações como essa teriam tido na minha infância.

Assim como no relato de várias mulheres durante o evento no prédio da Walt Disney Company, acredito que teria sido fundamental para que eu não alisasse meu cabelo durante anos e quem sabe me identificasse como pessoa negra muito antes de quando isso realmente aconteceu.

Aos meus 19 anos, quando já estava na faculdade, me deparei com minha negritude pela primeira vez. Coincidentemente ou não —e sabemos que não—, foi quando passei a assumir meus cabelos naturais. Um alívio físico, por não ter mais que me submeter a alisamentos, e espiritual. Agora eu sei exatamente quem eu sou.

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