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Ariranha que vivia como pet e perdeu a mama é resgatada e 'forma família'

De Ecoa, em São Paulo (SP)

16/10/2023 04h00

As ariranhas (Pteronura brasiliensis) são as maiores lontras do mundo. Elas vivem na região amazônica e no Pantanal e na fase adulta podem chegar a até dois metros e pesar 30 kg. Apesar de terem cara de dóceis, são conhecidas como "onças-d'água" e, em grupo, são páreo até mesmo para onças-pintadas e por vezes caçam jacarés.

Na natureza, são muito sociáveis e vivem em grandes grupos de até 20 animais, que impõem respeito em seu território e são comandados por um casal líder, que pode se formar e se manter por algumas ninhadas —as ariranhas são "monogâmicas", mas podem não permanecer com o mesmo parceiro até o fim da vida, podendo trocar de parceiro na próxima fase de acasalamento. Assim como em muitas famílias humanas, os irmãos mais velhos ajudam a cuidar dos irmãos mais novos do bando.

Mas no caso de Nimuê, uma ariranha de oito anos que vive hoje no Aquário de São Paulo, a vida não foi tão sociável assim.

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"Ela estava sendo criada como pet por ribeirinhos da Amazônia, vivia amarrada por uma corda de nylon na cintura. Quando os pesquisadores chegaram, a ariranha estava com um grande machucado e com as vísceras à vista. Lá mesmo fizeram toda essa parte de reabilitação dela, tiveram que fazer curativo e dar pontos, mas acabou perdendo uma das mamas", conta Fabiana Padilha, bióloga do Aquário de São Paulo.

O resgate da "Dama do Lago"

O nome de Nimuê remete à lenda do Rei Arthur. Quem a batizou foi Fernando Rosa, um dos responsáveis pelo seu resgate em 2015. Na época, ele era pesquisador do Laboratório de Mamíferos Aquáticos do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), mas está aposentado desde 2017.

"O nome vem da lenda do Rei Artur, uma alusão à Dama do Lago, sacerdotisa de Avalon e protetora de Excalibur (espada lendária)", conta Rosa.

Após resgatada, Nimuê (no meio da foto, entre Salvador, no topo da imagem, e um dos filhotes, no canto inferior) ganhou peso, formou família e perdeu o medo da água Imagem: Aquário de São Paulo

Rosa lembra que Nimuê era arredia no período que estava no Inpa e tinha medo até mesmo de entrar na água. "Ela entrava somente em bacias muito rasas, em que as patinhas tocavam o fundo. Não suportava a profundidade", lembra.

O pesquisador então inseriu uma caixa d'água no recinto com uma rampa de madeira até a sua borda. O intuito era fazer a ariranha arriscar um mergulho maior, mas receosa, caminhava até a beira, molhava apenas a cabeça e retornava assustada.

No processo de reabilitação, Rosa decidiu aumentar o incentivo e empurrou Nimuê, que caiu dentro da água. "Ela rapidamente mergulhou e voltou, saiu se chacoalhando, e percebeu que entrar na água não era o fim do mundo", lembra.

Esse foi o estímulo que faltava para Nimuê começar a mergulhar e a nadar por conta própria e a se adaptar à água. "As primeiras braçadas da Nimuê fui eu quem ensinei, fiz o papel de sua mãe", diz Rosa.

O ex-pesquisador do Inpa afirma que é comum se deparar com a venda ilegal de animais silvestres a turistas na região, e a ariranha é uma espécie que sofre com esse crime.

"São animais muito bonitos, quando filhotes realmente parecem ursinhos de pelúcia. Essa atividade ilegal diminuiu nos últimos anos, mas ainda existe, acredito que isso seria feito com Nimuê", diz.

Um match entre as ariranhas

Em abril de 2016, Nimuê foi enviada ao Aquário de São Paulo. Na instituição, a ariranha ganhou melhores acomodações, e agora conta com um lago artificial e uma área de terra firme, que simula o mais próximo possível do que poderia ser o seu ambiente na natureza.

No local, o animal passou a fazer parte do Programa de Conservação de Espécies Internacional, e encontrou sua cara-metade: Salvador, uma ariranha macho de quatro anos que vivia em um zoológico na Dinamarca.

"Não tinham casais no Brasil. Ou era muito jovem ou a outra parte não podia ser colocada para reproduzir, pois era irmão com irmão. Por isso, trouxemos um animal de fora para cá", explica a bióloga Fabiana Padilha.

A conexão entre os animais aconteceu e eles formaram um casal reprodutivo, que deu a luz a dois filhotes, Kyra e Amanã, que nasceram em dezembro de 2022, e registram o primeiro caso de reprodução da espécie em cativeiro no país depois de 20 anos.

"O programa de conservação visa gerenciar a população de uma espécie, considerando as diretrizes de animais em vida livre. Através de estudos genealógicos, o plano de manejo identifica pares propícios para reprodução, com o objetivo de reintroduzir os animais na natureza", explica Padilha.

"Esse processo envolve 14 instituições no Brasil, e o aquário contribui nacional e internacionalmente, colaborando com zoológicos e aquários globais", continua.

Em risco de extinção, a ariranha está na lista da IUCN Red List, a união internacional para a conservação das espécies ameaçadas. Nos últimos 25 anos, a redução populacional na natureza foi de mais de 50%, e com base na tendência de declínio populacional, estima-se que nos próximos 25 anos haja nova queda de 50% ou mais.

Os motivos para a queda populacional da espécie é possivelmente uma combinação de fatores, que incluem a destruição de seu habitat natural, caça ilegal e maturidade para reprodução lenta (por volta de dois anos e meio).

O reencontro com o amigo humano

Com dois filhotes e sob cuidados de especialistas na espécie, Nimuê se tornou menos desconfiada de humanos, mas não nega sua origem —é um predador. Por precaução e protocolo, seus tratadores não entram em seu recinto diretamente, apenas usando barreiras de proteção para as interações e manejos.

A aproximação, entretanto, foi diferente ao reencontrar Rosa, pesquisador que a salvou, e a visitou no local em 2018, antes que ela tivesse sua primeira prole.

Me falaram que ela era arisca com o pessoal do Aquário. Mas assim que eu cheguei, ela veio balançando o rabinho, acho que reconheceu meu tom de voz, aproximou-se de mim e me lambeu. Eu fiz o papel de sua mãe, dei mamadeira para ela e depois peixes. Fernando Rosa, pesquisador aposentado do Laboratório de Mamíferos Aquáticos do Inpa

"Para mim, é muito gratificante ver um animal em risco de extinção ser salvo e se reproduzir. Se ela continuasse na condição que a encontrei, provavelmente morreria", continua Rosa.

Apesar da lembrança fraterna, Rosa reforça sobre a importância de entender que esse é um animal silvestre e não deve nunca ser tratado como animal de estimação, para evitar riscos aos humanos e, sobretudo, à espécie.

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