Gelo em árvore no Ceará? Desvendamos o mistério de Juazeiro do Norte

Quando se fala em Nordeste e gelo, talvez na sua cabeça surja uma imagem de um drinque geladinho à beira-mar. Mas nas últimas semanas um fenômeno chamou atenção em Juazeiro do Norte, no Ceará: galhos de árvores estavam cobertos por uma espuma branca semelhante a gelo e intrigou moradores, que relataram até que seu líquido era gelado.

Ecoa foi atrás de entender o fenômeno e já adianta: não é gelo. Apesar de muitos falarem em milagre, devido ao intenso calor que a cidade passou em setembro com temperaturas acima de 35ºC, a espuma formada nos galhos e o líquido que cai no chão têm outra explicação.

O que tem acontecido é que um inseto fez oviposições, colocou vários ovos no galho e, ao eclodir os ovos, a fase jovem desse inseto tem sugado uma grande quantidade de seiva e gera essa exsudação, essa proteção em torno desses insetos, explica Lamartine Oliveira, professor do Departamento de Fitotecnia da UFC (Universidade Federal do Ceará).

Há duas hipóteses de árvores que podem estar servindo de observação para ocorrência desse fenômeno: a espécie conhecida como marizeiro, umarizeiro ou apenas mari, ou ainda a árvore pau-paraíba. "É muito difícil classificar sem ver detalhes de folha, fruto e forma da copa", diz o especialista, que também é assessor de manejo da arborização da UFC.

Quando e por que isso ocorre?

Não é possível datar quando ocorreu esse fenômeno em que os insetos excretam resíduo da digestão. O professor diz que pode ter ocorrido nos últimos 20 dias e que tem relação com a fase reprodutiva dos insetos.

"Existem várias espécies que levam o nome vulgar de cigarra ou cigarrinha que costumam ter esse processo de produção de uma espuma branca que protege essa fase jovem do inseto. É um fenômeno bastante comum desses insetos que são sugadores. Aqui no Ceará, a época que isso ocorre é mais nesse período de primavera por ser fase reprodutiva de diversas espécies de cigarrinha", pontua Lamartine Oliveira.

Conforme o especialista, tal proteção tem finalidade de gerar uma barreira térmica diante da temperatura externa que costuma ser mais alta do que a temperatura interna. O aspecto de gelo se deve a cor da substância ser esbranquiçada com gotejamento de líquido.

Diante da colocação da coloração e forma, [se] atribui como se fosse leve aspecto de gelo, mas mais aspecto de neve, somado a isso a temperatura. Se considerado a temperatura da planta, a nossa corporal e a do ambiente, [a espuma] é mais fria. Durante o dia é mais fria que a temperatura do ambiente, e durante a noite esfria mais. Logo cedo a gente sente ainda mais gelada, mais baixa. Óbvio que não chega a temperatura do gelo, mas a sensação térmica ao tocar nesse material é mais amena em termos de temperatura quando comparada ao ambiente Lamartine Oliveira

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Faz mal para humanos?

Por se tratar de uma secreção, o material não deve ser consumido, mesmo que seja rico em açúcares, devido à seiva - o que inclusive atrai formigas. Apesar disso, ele não faz mal aos seres humanos.

"Não faz mal algum ao humano muito menos a outros animais. Agora, dificulta que predadores, como pássaros nativos, a consumam [exemplares] dessa fase jovem da cigarrinha", ressalta Oliveira.

"Essa substância é nada mais nada menos do que seiva. É por isso que costuma atrair muita formiga, porque é rica em açúcares. Então é muito comum quando você vê insetos sugadores envolta de formigas. É comum nesses galhos aparecer formigas. Onde tem pulgão também, porque são insetos sugadores que sugam seiva da planta. Não faz mal nenhum ao ser humano, mas não deve ser consumido", afirma.

Apesar das árvores "sofrerem" em certa medida, ela consegue resistir ao ciclo de ocorrência do fenômeno, que inclusive vai se repetir nos outros anos. Não é preciso fazer nada como, por exemplo, cortar galhos em que as espumas surgem, basta respeitar a natureza.

"Com a degradação dos ambientes naturais, pode ser que um ano tenha uma superpopulação de um determinado inseto sugador, como essa cigarrinha, e venha trazer um prejuízo maior [a todos]", alerta Lamartine.

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Relações entre seres vivos

O fenômeno é palco de relações ecológicas que variam de espécie para espécie. Pode ser classificada como como simbiose a relação das formigas e cigarrinhas a fim de as formigas usufruírem do açúcar da seiva que sai na secreção. Em contrapartida, a formiga também gera um sistema de evitar a formação de fungos pelo excesso de umidade e açúcar.

Mas as formigas, sedentas por açúcar para se alimentarem, também podem ter uma relação de esclavagismo, onde tendem a cuidar das ninfas, que é a forma jovem do inseto, ao ponto de ficar alisando o abdômen dele para liberação de ainda mais excrementos.

"No caso do pulgão, é muito comum essa relação de esclavagismo, quase um processo de escravidão na natureza, porque acaba beneficiando muito mais a formiga do que o pulgão", avalia o professor.

Apesar disso, ele afirma que todos podemos nos acalmar caso encontremos árvores com presença do fenômeno: "A gente não precisa se assustar, ficar achando que é milagre, mas precisa contemplar e aprender com a natureza. Perdemos muito no momento em que a gente começa a degradar os ecossistemas naturais".

O homem quando retorna à natureza, isso traz bem-estar físico e psicológico. É provado cientificamente que quando o ser humano se relaciona com árvores, verde urbano, com a natureza, isso diminui a possibilidade dele ser acometido com doenças psicológicas e de ter doenças cardiológicas. É muito importante a gente ser verdadeiros observadores e usufruir também a natureza com respeito e com senso de preservação. Um evento natural como esse é maravilhoso de contemplar finaliza Lamartine Oliveira, professor da Universidade Federal do Ceará, Campus do Pici (Fortaleza)

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