Misterioso 'pokémon dos mares' se alimenta de luz - e é muito fofo
Elas são minúsculas, têm olhos pretos redondos próximos um do outro, rinóforos com pontas pretas que lembram orelhas de ovelhas, estruturas verdes chamadas ceratas e podem parecer até minipokémons da vida real: estamos falando das ovelhas-de-folhas, uma espécie de lesma-do-mar.
Este pequeno ser vivo ainda guarda uma peculiaridade: é um dos poucos animais no planeta que podem fazer fotossíntese, ou seja, além da alimentação normal também se alimenta de energia solar.
O que é a ovelha-de-folha?
Seu nome científico é Costasiella kuroshimae, e constantemente seu conhecimento chama atenção nas redes sociais.
Seu boom mais recente se deu após publicação do Greenpeace Canadá para alertar sobre plásticos nos oceanos, em julho, mas sua descoberta ocorreu em 1993, segundo o NCBI-NLM (Centro Nacional de Informações sobre Biotecnologia da Biblioteca Nacional de Medicina) dos Estados Unidos.
Visto pela primeira vez na ilha japonesa de Kuroshima, esse serzinho está amplamente distribuído pela Ásia. Ele já foi avistado em Singapura, Tailândia e no Triângulo de Coral, área considerada o berço mundial da biodiversidade marinha, que pega águas da Indonésia, Malásia, Filipinas, Papua Nova Guiné, Ilhas Salomão e Timor-Leste.
"As ovelhas-de-folha não se escondem ou se retraem quando sentem sua presença. Elas têm uma vida rotineira, circulando a folha de uma alga e pastando em seu próprio mundinho", falou a mergulhadora e fotógrafa Genevieve Reyes, em entrevista à BBC Travel, em 2021.
Delicadas, essas criaturas são como caracóis sem casca, afirmou Reyes. As estruturas verdes de seu corpo são parecidas com folhas, mas geralmente têm pontas rosas, roxas ou brancas, e também contêm ramos da glândula digestiva.
Já os rinóforos, que se assemelham às orelhas de ovelhas, servem para captar sinais químicos na água, dando à criatura o seu olfato, possibilitando a busca de alimento.
"As pessoas são cativadas pelas ovelhas-de-folha porque de seu rosto fofo e formato interessante. Elas são simplesmente ótimas lesmas", destacou Terrence Gosliner, especialista em lesmas marinhas encontradas nas Filipinas.
Conforme Gosliner, essas criaturas são hermafroditas (possuem órgãos reprodutores masculino e feminino), mas se acasalam com outros indivíduos para produzir uma massa de ovos.
"Os ovos eclodem em larvas com casca que passam uma ou duas semanas no plâncton. Depois, elas descartam a casca e começam a vida como uma pequena lesma", complementou o curador sênior de zoologia e geologia de invertebrados da Academia de Ciências da Califórnia, nos EUA.
Sobrevivência: 'pastagem' e fotossíntese
Quando falam que esses seres são realmente minúsculos, é porque são mesmo: eles possuem um comprimento máximo de sete ou oito milímetros na idade adulta. Seu tempo de vida é entre seis e doze meses.
Essas ovelhas-de-folha moram em Avravillea, um tipo de alga difusa e felpuda, que cresce em áreas com substratos macios, como lodo ou areias finas. Elas não são encontradas nos recifes-de-corais em si, mas em áreas próximas, explicou Gosliner.
"A ovelha-de-folha passa toda sua vida nessa espécie de algas, e você pode ver com frequência uma colônia inteira deles lá — eu já vi até 15 ou 20 em uma lâmina de alga. Às vezes, você pode ver a massa de ovos da lesma, que são pequenas bobinas espirais", destacou o especialista.
A alga que essa criatura vive não serve apenas como moradia, mas também como fonte de alimento. Assim como sua homônima herbívora no solo (as ovelhas), esse ser vivo no mar também pasta nas algas, suga seus cloroplastos — estrutura exclusiva de algas e plantas que contém clorofila, um pigmento fotossintético verde —, e os mantêm dentro do tecido se suas ceratas por até dez dias, em processo conhecido como cleptoplastia.
O cloroplasto é indispensável à transformação de energia solar em química. Com o seu sequestro, a ovelha-de-folha consegue complementar sua dieta através da fotossíntese, que geralmente só é feita pelas plantas. Essa capacidade levou essa criatura a ser conhecida como "lesma-do-mar movida a energia solar".
"É um dos poucos indivíduos multicelulares capazes de fazer isso. Imagine que você comeu uma salada e manteve o cloroplasto em seu sistema digestivo, então você só precisa se colocar no sol para fazer alimento. É conveniente para a sobrevivência", afirmou Miguel Azcuna, professor assistente da Universidade Estadual de Batangas, nas Filipinas.
Ao sequestrar o cloroplasto e adquirir uma cor verde, a ovelha-de-folha ganha poderes como um pokémon: ela passa a conseguir se camuflar, além de defesas químicas para dissuadir predadores.
Pesca e plástico como ameaça
Apesar de não correrem perigo crítico de desaparecerem da natureza, duas preocupações surgem quando se tratam desses seres vivos fofos pela destruição de seu habitat: a pesca e o plástico nos oceanos.
A pesca ilegal, ainda que tenha proibição em áreas de proteção ambiental, por exemplo, nas Filipinas, continua ocorrendo de forma persistente, assim como a pesca destrutiva que utiliza dinamite ou cianeto.
As alterações climáticas com aumento da temperatura devido ao aquecimento global também ameaça esse tipo de lesma, bem como tempestades e tufões mais intensos, que formam ondas e correntes que criam redemoinhos de areia que podem arrastar as lesmas e arrancar as algas que servem como sua moradia. Somente as Filipinas recebem uma média de 20 por ano, segundo a BBC.
Outra preocupação são os plásticos. A ingestão de sua forma micro pode obstruir a boca da lesma ou acumular no seu trato digestivo. "Fazendo-as morrer de fome", lamentou o Greenpeace Canadá, em publicação no Instagram com apelo para um Tratado Global dos Oceanos e alerta com o despejo de plástico nos mares.