Com as mudanças climáticas, aumenta a necessidade de proteção a refugiados
O avanço das mudanças climáticas que vem sendo observado em diferentes partes do mundo, com a ocorrência simultânea de enchentes e incidência de temperaturas elevadas em estações mais amenas, está criando uma necessidade extra de proteção a um grupo já bastante vulnerável: os refugiados.
Historicamente, os movimentos populacionais sempre foram uma estratégia para enfrentar ou escapar de ambientes insustentáveis ou em deterioração. As migrações forçadas se davam, na maioria das vezes, em meio a contextos violentos de guerras, conflitos internos e perseguições políticas.
Mas a ocorrência de eventos naturais extremos tem se tornado mais um fator a expulsar as pessoas de seu local de origem. Assim como as temperaturas, o deslocamento forçado em todo o mundo vem batendo sucessivos recordes.
As mudanças climáticas não apenas vêm aumentando o número de pessoas em situação de refúgio quanto podem gerar novos conflitos em disputas por territórios, por acesso a água potável e a outras condições básicas para subsistência.
Relação difícil de ser estabelecida
No entanto, a ligação entre mudanças climáticas e a mobilidade humana é extremamente complexa e ainda pouco mensurável, conforme observa o Representante da Agência da ONU para Refugiados (Acnur) no Brasil, Davide Torzilli.
"Os efeitos das mudanças climáticas são numerosos e podem forçar deslocamentos ou dificultar o retorno daqueles que já estão deslocados. Os episódios de violência envolvendo agricultores e pastores no norte de Camarões, por exemplo, mostra uma relação claramente causal entre as mudanças climáticas e o conflito, embora evidências mais amplas dessa relação em outros lugares ainda sejam escassas."
As mudanças climáticas podem ser o catalisador de conflitos em situações em que já existem outras condições prévias, especialmente em países com governança e infraestrutura fracas ou recursos insuficientes.
Davide Torzilli, da Acnur
Apesar de o termo "refugiado climático" ser uma expressão cada vez mais usada, essa categoria ainda não é "oficial", segundo a Convenção dos Refugiados de 1951. Um dos impasses envolvendo pessoas em situação de refúgio provocado por eventos extremos está na concessão de vistos. Existe uma longa questão burocrática que ainda não está bem definida.
Soluções diplomáticas e economia verde
Além de encontrar soluções diplomáticas, é urgente que os governos trabalhem em prol de uma economia verde, que diminua a ocorrência de catástrofes naturais e, com isso, proteja os grupos mais vulneráveis, como mulheres, crianças e povos originários.
"Além de limitarem as perspectivas de avanço dos objetivos sociais, ambientais e econômicos, as mudanças climáticas impactam desproporcionalmente populações em condições vulneráveis: pessoas em situação de deslocamento forçado e apátridas, incluindo mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência, LGBTQIA+ e povos indígenas, que requerem ações específicas para responder às suas necessidades de proteção", destaca Torzilli.
Segundo a Acnur, em 2021, cerca de 95% de todos os deslocamentos de conflitos internos ocorreram em países altamente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, e 78% dos novos refugiados e solicitantes do reconhecimento da condição de refugiado são originários desses mesmos países.
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O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou em julho deste ano que deixamos a era do aquecimento global para entrar na era da ebulição global. Até o final deste século, a temperatura média global aumentará entre 2,1ºC e 3,5ºC em comparação com a era pré-industrial, segundo adverte o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.
O representante da Acnur aponta que esse aumento terá implicações de longo alcance nos ecossistemas e nas pessoas.
É provável que a agricultura de sequeiro, que é a base da segurança alimentar e dos meios de subsistência das pessoas na Ásia, nas Américas Central e do Sul, na África Subsaariana e no Oriente Médio seja particularmente afetada, o que é preocupante.
Davide Torzilli, da Acnur
Em 2018, o Pacto Global sobre Refugiados (GCR, na sua sigla em inglês), confirmado pela Assembleia Geral da ONU, já abordava diretamente essa crescente preocupação, ao reconhecer que "o clima, a degradação ambiental e os desastres interagem cada vez mais com os fatores geradores dos movimentos de refugiados".
De acordo com Torzilli, a Acnur atua em três frentes para reduzir o impacto das mudanças climáticas: orientação para o desenvolvimento de leis e políticas públicas; redução da degradação ambiental em operações vigentes; e implementação de uma abordagem ambiental.
"No Brasil, estamos engajados em uma série de iniciativas para reduzir e mitigar os riscos da resposta humanitária em Roraima, como a estratégia de Abrigos Verdes, a redução de uso de descartáveis nos abrigos da Operação Acolhida e a implementação do Centro de Sustentabilidade", diz.
Além disso, estamos estimulando a economia verde como opção de integração socioeconômica para pessoas refugiadas no país e buscando a inclusão de populações indígenas refugiadas no centro desse importante debate.
Davide Torzilli, da Acnur
Torzilli ressalta que a melhor maneira de mitigar os riscos de deslocamento no contexto das mudanças climáticas é uma ação conjunta da comunidade internacional para reduzir as emissões e apoiar o desenvolvimento verde, inclusivo e resiliente, bem como o uso equitativo dos recursos.
"Sem essa ação, serão as populações mais vulneráveis que provavelmente precisarão de mais apoio no futuro. Medidas como infraestrutura resistente ao clima, variantes de culturas e técnicas agrícolas resistentes à seca, irrigação, medidas de proteção costeira e assistência às famílias rurais para que diversifiquem suas fontes de renda fora da terra podem contribuir para minimizar riscos".
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