Sem saneamento, moradores constroem mais de mil fossas ecológicas no PR
Antoniele Luciano
Colaboração para Ecoa
12/11/2023 04h00
Quem caminha pelas ruas da Ocupação Nova Esperança, em Campo Magro, Região Metropolitana de Curitiba, logo percebe um detalhe nas casas que está longe de ser decorativo. Com a inscrição "Aqui tem fossa ecológica", pequenas placas sinalizam a adesão em massa dos moradores a uma solução sustentável e barata para a falta de saneamento básico na comunidade.
Desde 2021, mais de mil famílias já instalaram em suas casas um sistema de fossas para descartar o esgoto do banheiro sem prejudicar o meio ambiente. Regra entre os moradores, a alternativa busca preservar o lençol freático do município, uma vez que Campo Magro fica em cima de uma reserva de água subterrânea, o Aquífero Karst.
Cada fossa tem cerca de 1,2 metro de profundidade e 3 metros de largura, e é feita com pneus, restos de tijolos, pedra brita, areia e mudas de bananeira, doadas pelo Assentamento Contestado, liderado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na Lapa (PR).
Moradores foram capacitados
A capacitação dos moradores para fazer a obra por conta própria foi possível por meio de instruções repassadas pelo Movimento Popular por Moradia (MPM), responsável pela organização da ocupação. Foram feitas oficinas e enviadas orientações por meio das redes sociais.
Primeiro, fizemos um projeto-piloto. Sorteamos uma das casas para fazer a primeira fossa e convidamos famílias para ver como funcionava. Fizemos também imagens e áudios explicando. Foi um trabalho de longo prazo, até para as famílias terem condições de fazer e o movimento fiscalizar se estava tudo certo.
Julian de Pol, liderança do MPM
Ele observa que a maioria dos moradores conseguiu tocar a obra sem grandes dificuldades, como o casal de recicladores Leidiane dos Santos Melo, de 22 anos, e Eliandro do Amaral, 39 anos.
Juntos, eles seguiram o passo a passo recomendado e implantaram as fossas ecológicas na casa deles e de mais duas pessoas. "Abrimos as três fossas no mesmo dia. Isso já tem três anos e até hoje nunca tivemos problema. Elas são bem firmes", comenta Amaral.
Com cerca de 1.200 famílias, somente casas antigas da área, que já tinham sistema de saneamento, não têm fossas ecológicas.
Sem risco de infiltração
As fossas adotadas pela comunidade funcionam por meio de um sistema chamado Tanque de Evapotranspiração (Tevap). O buraco aberto nos terrenos é revestido com cimento e recebe pneus em fileira e diferentes camadas de pedra brita, areia e caliça, como se fosse uma câmara de fermentação.
Esse tanque impermeabilizado recebe, por sua vez, o esgoto do vaso sanitário, sendo espaço para o trabalho de bactérias anaeróbicas que se alojam nas camadas construídas ao longo da fossa. Assim, o esgoto é tratado à medida que sobe pelo sistema.
A água filtrada e os nutrientes gerados são reaproveitados pelas raízes de mudas de bananeiras, plantadas no topo do tanque, junto com dutos que aliviam a pressão dos gases ali dentro. O processo não gera odores nem vazamentos de efluentes. O custo por unidade é de cerca de R$ 500.
Mapeamento de riscos ambientais
A ideia para implantar as fossas ecológicas veio após um mapeamento de áreas de risco ambiental realizado na comunidade Nova Esperança pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), a pedido do Ministério Público do Paraná (MP-PR). O objetivo era compreender a viabilidade da ocupação da área.
Apesar de estar localizado em Campo Magro, o terreno de 42 alqueires, antiga Fazenda Solidariedade, pertence à Prefeitura de Curitiba. A área funcionou como unidade de tratamento de dependentes químicos até 2009. Depois disso, passou a receber as primeiras famílias durante a pandemia, em 2020.
O professor José Ricardo Vargas de Faria, pesquisador do Centro de Estudos em Planejamento e Políticas Urbanas (Ceppur), da UFPR, explica que o levantamento mostrou a possibilidade de os moradores permanecerem no local a partir da adoção de algumas medidas.
Entre as indicações, estavam as fossas sépticas, hortas comunitárias e ações de reflorestamento, também já executadas pelos moradores.
Eles fizeram a adoção das fossas ecológicas a partir da indicação que fizemos. Sem dúvida, o fato de terem adotado essa solução foi um ganho ambiental muito significativo em relação a outras áreas.
José Ricardo Vargas, pesquisador
Ele explica que, em geral, mesmo áreas regulares usam soluções com menos qualidade do que essa que foi utilizada na comunidade. E que o Ceppur ainda deve avaliar junto com os moradores se a medida poderá ser definitiva ou se deverá compor outras soluções de saneamento.
Hoje, a comunidade segue em diálogo com órgãos do poder público, como companhias de energia elétrica e saneamento, para regularização. A possibilidade de reintegração de posse foi suspensa pela Justiça do Estado do Paraná em julho deste ano.