Grupo de mulheres é referência no cultivo de orgânicos em Pernambuco
Adriana Amâncio
Colaboração para Ecoa, no Recife (PE)
17/11/2023 04h00
Desde que se separou do marido, sempre foi dura a luta pela sobrevivência da agricultora Severina Maria da Silva, de 60 anos, que mora na cidade de Aliança, a 63 km do Recife, junto com os três filhos,
No início, o trabalho em casa de família foi a principal alternativa de renda encontrada, mas o dinheiro não era suficiente para garantir as despesas de casa.
Para ajudar na alimentação, a agricultora a passou a cultivar alimentos orgânicos para o próprio consumo. Ela sabia que esse cultivo fazia a diferença para o seu bolso e para o meio ambiente, já que não usava agrotóxicos. O que ela não sabia é que, ao se unir a outras mulheres que realizavam trabalho semelhante, poderia surgir um negócio bom também para a culinária local.
Foi assim que nasceu, em 2016, o grupo Mulheres da Roça. De forma coletiva, esse grupo cultiva alimentos sem agrotóxicos, colhem, beneficiam e oferecem na forma de produtos e refeições frescas, típicas da culinária tradicional de Aliança.
Essas mulheres tiram o seu sustento da venda de queijos, geleias, bolos, biscoitos e iguarias típicas da região, que são comercializadas em feiras livres semanalmente e em grandes eventos regionais.
Na primeira grande feira onde vendeu os seus bolos, doces e geleias, Dona Severina teve um lucro de R$ 400 reais e voltou para casa orgulhosa. "Os alimentos orgânicos fizeram tudo por mim", diz sem esconder uma emoção que embarga a sua voz.
Memória resgatada
Com a iniciativa, além da segurança alimentar aliada à preservação ambiental, a memória culinária do município de Aliança vem sendo preservada. Com preços acessíveis, essas agricultoras facilitam o acesso da população de baixa renda aos alimentos orgânicos.
Esse perfil é bem diferente daquele que mais consome este tipo de alimento no Brasil. Um levantamento da associação Organis, uma entidade sem fins lucrativos, que trabalha para divulgar os conceitos e as práticas orgânicas, aponta que mulheres entre 25 e 44 anos, com renda mensal entre R$ 2.500 e R$ 4.000, figuram entre os principais consumidores do produto.
O Mulheres da Roça comercializa os alimentos em grandes feiras da agricultura familiar como a Agrinordeste, que reúne agricultores de estados do Norte e Nordeste, e em uma lojinha recém alugada, localizada na área urbana.
Individualmente, a agricultora comercializa refeições feitas com produtos fresquinhos na feira livre da cidade, que acontece às sextas e aos sábados. "Tem macaxeira, batata-doce, inhame, sarapatel, bolo de tamarindo, de acerola e cenoura", conta ela.
Renda e valorização
Esse trabalho coletivo e social se tornou uma alternativa para essas mulheres que, há tempos, não contavam com renda alguma, muito menos tinham valorização das suas atividades na agricultura e na cozinha.
Esse é o caso de Dona Severina, que encontrou no grupo mais do que uma fonte de renda, uma possibilidade de reconstruir a vida ao lado dos filhos. Ela chegou a Aliança em 2004, quando se separou do pai dos três filhos, ao lado de quem viveu longos 18 anos de "muita perturbação", segundo ela.
A agricultora conta que, por muito tempo, preferiu seguir com a relação abusiva, porque considerava o marido um porto seguro financeiro, o que era necessário para garantir os cuidados dos quais a filha doente precisava. "Minha filha nasceu com cansaço, teve tuberculose, vivia no médico."
Quando o médico recomendou que ela buscasse um município com um clima mais ameno e ar mais puro para viver, ela tomou uma decisão. "Juntou a fome com a vontade de comer. A vontade que eu já tinha de deixar meu marido com a recomendação do médico."
Ao sair do casamento, o meio de sustento que restou a Dona Severina foi trabalhar como empregada doméstica. Mas depois que ela se juntou às outras mulheres do grupo, construiu com elas um empreendimento sustentável para suas famílias e para o meio ambiente.
Grupo virou referência
Agora ela tem renda própria e ainda precisa administrar o lucro, que serve para comprar insumos para a produção do restaurante e para o sustento das demais agricultoras do grupo. Sem contar com a intensa agenda de viagens. Ela já participou de feiras em Tracunhaém, Condado, Itambé e Recife.
Maria do Carmo dos Anjos Alexandre, 56 anos, presidente do Mulheres da Roça, avalia que a formação do grupo foi o diferencial para ampliar o trabalho. "Depois que a gente se uniu vieram parcerias com a Prefeitura e o Sebrae. Surgiram mais viagens para os eventos."
Essas parcerias oferecem capacitações às agricultoras para aperfeiçoar os produtos e a qualidade das vendas, além de abrirem novos mercados para que as mulheres possam escoar os seus produtos. A iniciativa se tornou referência para universitários e pesquisadores internacionais, que lotam a agenda de visitas do grupo.
O trabalho do grupo ganhou destaque na rota do turismo de Aliança, conhecida como Terra do Maracatu Rural. O maracatu é uma manifestação folclórica de origem africana, que consiste em um cortejo formado por personagens, que envolve música e encenação.
Quem visita a cidade para conhecer essa tradição cultural, não deixa de saborear as iguarias das Mulheres da Roça, que também têm valor histórico. Pelas mãos delas, receitas centenárias, que já estavam esquecidas, resistem e alcançam novas gerações.