Com 'ossos de vidro', ela sofreu 300 fraturas e pratica esportes radicais

O diagnóstico de osteogênese imperfeita veio assim que a carioca Thais Pessanha, 41 anos, nasceu. A condição rara e congênita, popularmente chamada de " doença dos ossos de vidro", é oriunda de uma má formação genética.

Mas isso não impediu Thais de construir uma carreira profissional, assumir cargo de liderança e muito menos de praticar esportes radicais, como o skate e o caiaque.

Apesar de já ter sofrido mais de 300 fraturas (nem todas praticando esportes), ela afirma que a atividade física é libertadora: "É a melhor sensação, de paz e liberdade ao mesmo tempo", diz Thais Pessanha.

Gesso foi companheiro de infância

Na hora do parto, Thais teve as duas pernas, os dois braços e algumas costelas fraturadas. Imediatamente os médicos desconfiaram que algo estava errado. Com três dias de vida, ela teve o diagnóstico confirmado: nasceu com um dos graus mais graves de osteogênese imperfeita.

Ela cresceu ciente do seu diagnóstico, da gravidade da doença e dos cuidados que deveria ter para evitar fraturas. A osteogênese sempre foi tratada com a seriedade que precisa, mas também com naturalidade por todos. Segundo ela, nunca foi um tabu na família ou em conversa com amigos, inclusive com as crianças na época da escola.

Thaís é gerente setorial de Diversidade, Equidade e Inclusão na Petrobras
Thaís é gerente setorial de Diversidade, Equidade e Inclusão na Petrobras Imagem: Arquivo pessoal

"As fraturas eram muito recorrentes e, por vezes, espontâneas, então acabei tendo uma infância de muitas idas ao hospital para engessar. O gesso era meu grande companheiro", conta.

Ela diz que não deixava de ir à escola por causa disso, ou de se divertir com outras crianças. As brincadeiras eram adaptadas pelas próprias amigas para que Thais pudesse participar. "Todas as crianças sempre tiveram muito cuidado comigo, nunca me quebrei nessas situações e sempre fui incluída, mas isso não é a realidade da maioria dos casos", diz.

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Válvula de escape

O desejo de praticar esportes surgiu ainda na infância, quando acompanhava o irmão nas aulas de natação e judô, mas foi só adulta que ela descobriu uma atividade adequada para sua condição.

"Quando era criança, nenhum clube me aceitou na natação com medo de que eu me quebrasse na aula. E o judô, por ser esporte de impacto, não era recomendado pelos médicos. Apenas já adulta, pude fazer uma aula experimental de surfe com a ONG Adaptsurf, no Rio de Janeiro", conta.

Thaís foi uma das pessoas que carregaram a tocha olímpica nos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016
Thaís foi uma das pessoas que carregaram a tocha olímpica nos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016 Imagem: Arquivo pessoal

Depois de um tempo, ela experimentou o skate e se apaixonou.

Achei o skate de infância do meu irmão em casa e aí comecei a praticar por brincadeira. Assim como o caiaque, que também começou como uma brincadeira em umas férias de verão e virou outra grande paixão. Thais Pessanha

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Fragilidade e deformidade

A osteogênese imperfeita é caracterizada pela fragilidade óssea excessiva e provoca deformações ósseas pela própria fragilidade musculoesquelética. Thais é cadeirante e tem deformações ósseas na coluna, na arcada dentária e na caixa torácica, que acabaram por provocar problemas pulmonares graves e cardíacos, pela "falta de espaço".

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Imagem: Arquivo pessoal

Das suas 300 fraturas, teve uma que a marcou muito. "Eu havia pedido a uma amiga para me levar ao banheiro e, como tinha chovido, ela acabou escorregando e caindo comigo no colo. Quebrei a tíbia e a fíbula ao mesmo tempo e, por pouco, não tive fratura exposta", conta

O medo de se machucar praticando esportes é constante, mas não é maior que a vontade de movimentar o corpo. Cautelosa, ela conta que procura tomar todos os cuidados para não fazer manobras radicais ou remar em locais de grande risco. Além disso, os equipamentos de segurança são indispensáveis.

Skate e caiaque são minha válvula de escape para o estresse, são a manutenção da minha saúde mental. Minha mente desliga completamente (de todo o resto) e só fica atenta a tudo o que diz respeito à manutenção da minha segurança naquele momento, mais nada. É a melhor sensação, de paz e liberdade, ao mesmo tempo. Thais Pessanha

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A paixão pelo esporte fez com que Thais fosse uma das únicas brasileiras a carregar tanto a tocha olímpica quanto a paralímpica dos Jogos disputados no Rio de Janeiro, em 2016.

Cargo de liderança

Graduada em administração pela UFF (Universidade Federal Fluminense), Thais tem dois MBAs e especialização em metodologias de trabalhos ágeis e cocriativas. Funcionária da Petrobras, ela já soma mais de 20 anos de serviços. Recentemente, assumiu o cargo de gerente setorial de Diversidade, Equidade e Inclusão da empresa.

A administradora foi a escolhida após um processo interno com cerca de 160 candidatos. Pela primeira vez na história da Petrobras, a seleção foi exclusiva para pessoas de grupos historicamente sub-representados: mulheres, pessoas pretas e pardas, com deficiência e LGBTQIAP+.

Thaís levou também a tocha dos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro 2016
Thaís levou também a tocha dos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro 2016 Imagem: Arquivo pessoal

Thaís mora com os pais, que dão todo o suporte de que ela precisa no dia a dia e ficam orgulhosos dos lugares que ela ocupa.

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"Eles lutaram muito para que isso acontecesse, para que o prognóstico médico de falecimento antes do primeiro ano de vida não se concretizasse, para que eu pudesse ter uma vida com autonomia e pudesse ser o que eu quisesse ser. E está dando certo."

Falta de referências

Thaís também é escritora e conta que sempre gostou de ler, mas que quando era criança não encontrava personagens com deficiência nos livros, a não ser o Quasímodo, de 'O Corcunda de Notre- Dame', que era açoitado em praça pública e humilhado pelas pessoas. Ou o Collin, de "O Jardim Secreto", que cresceu escondido em um quarto escuro.

Depois vieram os X-Men, com seus superpoderes oriundos de mutações genéticas. Posso dizer que sou fruto de uma mutação genética, mas não tenho superpoder nenhum. Então que referências literárias eram essas que uma criança com deficiência tinha?
Thais Pessanha

Na percepção de Thaís, ou a pessoa com deficiência era um monstro ou era um super-herói. Desse incômodo, veio a decisão de escrever o livro 'Sobre Rodas - Um espírito em movimento'

O livro aborda a vida real de uma menina com deficiência e sua capacidade de realizar os sonhos, mesmo os considerados mais ousados, demonstrando como os valores dos Jogos Olímpicos (excelência, respeito, amizade) e dos Jogos Paralímpicos (determinação, coragem, igualdade, inspiração) são, na verdade, um estilo de vida que pode ser seguido por qualquer pessoa.

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"Eu não posso mudar meu passado literário, mas posso construir um futuro literário melhor para outras pessoas."

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