Terra pode já ter ultrapassado limite de aquecimento de 1,5°C

As temperaturas globais já ultrapassaram 1,5°C de aquecimento e podem passar de 2°C no final desta década, de acordo com um estudo inédito no mundo que eu liderei. As descobertas preocupantes, baseadas em registros de temperatura contidos em esqueletos de esponjas marinhas, sugerem que a mudança climática global avançou muito mais do que se pensava anteriormente.

As emissões de gases de efeito estufa pela Humanidade impulsionam o aquecimento global. A obtenção de informações precisas sobre a extensão deste aquecimento é vital, pois nos ajuda a entender se eventos climáticos extremos são mais prováveis no futuro próximo e se o mundo está progredindo na redução das emissões.

Até o momento, as estimativas do aquecimento da parte superior do oceano foram baseadas principalmente em registros de temperatura da superfície do mar, mas esses registros datam de apenas 180 anos. Em vez disso, estudamos 300 anos de registros preservados nos esqueletos de esponjas marinhas de vida longa do leste do Caribe. Em particular, examinamos as mudanças na quantidade de uma substância química conhecida como estrôncio em seus esqueletos, o que reflete as variações nas temperaturas da água do mar durante a vida do organismo.

Manter o aumento médio da temperatura global abaixo de 1,5°C frente à era pré-industriais é uma meta do Acordo Climático de Paris de 2015. Nossa pesquisa, publicada na revista científica Nature Climate Change, sugere que essa oportunidade já passou. A Terra pode, de fato, já ter atingido pelo menos 1,7°C de aquecimento desde os tempos pré-industriais - uma descoberta profundamente preocupante.

Medindo o calor do oceano

O aquecimento global está causando grandes mudanças no clima da Terra. Isso ficou evidente recentemente durante ondas de calor sem precedentes no sul da Europa, na China e em grande parte da América do Norte.

Os oceanos cobrem mais de 70% da superfície da Terra e absorvem uma enorme quantidade de calor e dióxido de carbono. As temperaturas da superfície global são tradicionalmente calculadas pela média da temperatura da água na superfície do mar e do ar logo acima da superfície da terra.

Mas os registros históricos de temperatura dos oceanos são irregulares. Os primeiros registros de temperatura do mar foram obtidos inserindo-se um termômetro em amostras de água coletadas por navios. Os registros sistemáticos estão disponíveis só a partir da década de 1850 e, mesmo assim, com cobertura limitada. Devido a essa falta de dados anteriores, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) definiu o período pré-industrial como sendo de 1850 a 1900.

Mas os seres humanos têm bombeado quantidades substanciais de dióxido de carbono para a atmosfera desde, pelo menos, o início do século XIX. Portanto, o período de linha de base a partir do qual o aquecimento é medido deve, idealmente, ser definido a partir de meados de 1700 ou antes.

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Além disso, uma série de erupções vulcânicas excepcionalmente grandes ocorreu no início de 1800, causando um resfriamento global maciço. Isso dificulta a reconstrução precisa da linha de base estável das temperaturas oceânicas.

Mas e se houvesse uma maneira de medir com precisão as temperaturas do oceano durante séculos no passado? Existe, e ela é chamada de "termometria de esclerose".

Estudando uma esponja especial

As esclerosponjas são um grupo de esponjas marinhas que se assemelham aos corais duros, pois produzem um esqueleto de carbonato. Mas elas crescem em um ritmo muito mais lento, e podem viver por muitas centenas de anos.

Os esqueletos incorporam vários elementos químicos, incluindo estrôncio e cálcio. A proporção desses dois elementos varia durante os períodos mais quentes e mais frios. Isso significa que as esclerosponjas podem fornecer um diário detalhado das temperaturas do mar, com uma resolução de apenas 0,1°C.

Estudamos a espécie de esponja Ceratoporella nicholsoni. Elas ocorrem no Caribe Oriental, onde a variabilidade natural das temperaturas do oceano superior é baixa, o que facilita a identificação dos efeitos da mudança climática. Queríamos investigar as temperaturas em uma parte do oceano conhecida como "camada mista do oceano". Essa é a parte superior do oceano, onde o calor é trocado entre a atmosfera e o interior do oceano.

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Analisamos as temperaturas de 300 anos atrás para ver se o período atual que define as temperaturas pré-industriais era preciso. E o que descobrimos?

Os registros das esponjas mostraram temperaturas quase constantes de 1700 a 1790 e de 1840 a 1860 (com uma lacuna no meio devido ao resfriamento vulcânico). Descobrimos que um aumento nas temperaturas do oceano começou a partir de meados da década de 1860 e era inequivocamente evidente em meados da década de 1870. Isso sugere que o período pré-industrial deve ser definido como os anos de 1700 a 1860.

As implicações dessas descobertas são profundas.

O que isso significa para o aquecimento global?

Usando essa nova linha de base, surge um quadro muito diferente do aquecimento global. Ele mostra que o aquecimento oceânico causado pela Humanidade começou pelo menos várias décadas antes do que o IPCC supunha anteriormente.

A mudança climática de longo prazo é comumente medida em relação ao aquecimento médio nos 30 anos entre 1961 e 1990, bem como ao aquecimento nas décadas mais recentes.

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Nossas descobertas sugerem que, no intervalo entre o final de nosso período pré-industrial recém-definido e a média de 30 anos mencionada acima, as temperaturas do oceano e da superfície terrestre aumentaram 0,9°C. Isso é muito mais do que o aquecimento de 0,4°C estimado pelo IPCC para o período pré-industrial.

Acrescente a isso o aquecimento global médio de 0,8°C de 1990 até os últimos anos, e a Terra pode ter se aquecido, em média, pelo menos 1,7°C desde os tempos pré-industriais. Isso sugere que ultrapassamos a meta de 1,5°C do Acordo de Paris.

Também sugere que a meta primordial do acordo, de manter o aquecimento global médio abaixo de 2°C, agora tem grande probabilidade de ser ultrapassada até o final da década de 2020 - quase duas décadas antes do esperado.

Nosso estudo também produziu outra descoberta alarmante. Desde o final do século XX, as temperaturas terra-ar têm aumentado a uma taxa quase duas vezes maior que a da superfície dos oceanos e agora estão mais de 2°C acima dos níveis pré-industriais. Isso é consistente com o declínio bem documentado do permafrost, a camada de solo permanentemente congelada do Ártico, e com o aumento da frequência de ondas de calor, incêndios florestais e secas em todo o mundo.

As temperaturas terra-ar têm aumentado a uma taxa assustadora - uma descoberta condizente com o aumento da frequência de incêndios florestais.
As temperaturas terra-ar têm aumentado a uma taxa assustadora - uma descoberta condizente com o aumento da frequência de incêndios florestais. Imagem: GETTY IMAGES

Precisamos agir agora

Nossas estimativas revisadas sugerem que a mudança climática está em um estágio mais avançado do que pensávamos. Isso é motivo de grande preocupação.

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Parece que a humanidade perdeu a chance de limitar o aquecimento global a 1,5°C e tem uma tarefa muito desafiadora pela frente para manter o aquecimento abaixo de 2°C. Isso ressalta a necessidade urgente de reduzir pela metade as emissões globais até 2030.

*Malcolm McCulloch, professor da University of Western Australia

Esse artigo é republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o original aqui.

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